Olá, caro leitor, folgo poder encontrá-lo aqui este mês!
Na edição 94, contextualizamos o treinamento intervalado de alta intensidade, mas, para efeito deste novo texto, vamos relembrar alguns conceitos. O HIIT é uma siga em inglês para Hight-Intensity Interval Training e pode ser traduzido como Treinamento Intervalado de Alta Intensidade, mas para efeito deste artigo, costumamos manter a sigla em língua inglesa, uma vez que este método de treinamento é largamente conhecido como HIIT, inclusive no Brasil.
O HIIT se caracteriza por um exercício que possui alternâncias entre estímulos e recuperações, pois, empregam-se intervalos de restauração cardiometabólica entre os estímulos. Uma outra característica são as altas intensidades de exercício empregadas na execução do estímulo, geralmente algo acima de 80% que o caracteriza. Ainda temos o Sprint Interval Training (SIT) que apresenta as mesmas características, mas com intensidades que podem chegar à 170% da capacidade máxima do sujeito e volumes ainda mais reduzidos que o HIIT.
Este artigo busca discutir o HIIT, o condicionamento físico e os efeitos celulares e moleculares com ênfase no artigo de Martin J. Gibala e John A. Hawley intitulado “Sprinting Toward Fitness” publicado em 2017 na respeitadíssima revista Cell Metabolism, que discute diversos efeitos celulares relacionados ao HIIT e ao SIT (Gibala and Hawley, 2017).
Características do treinamento intervalado
Treinadores e os atletas vêm empregando o treinamento intervalado para melhorar o desempenho há mais de um século e apesar de trazer um formato renovado e apresentar evidências científicas consistentes que suportam a base mecanicista para o remodelamento fisiológico no que se refere à mediação de respostas metabólicas, ainda carece de mais estudos, contudo, apesar disto, excelentes trabalhos estão disponíveis sobre o assunto e esse citado anteriormente é um deles.
O treinamento intervalado é infinitamente variável, mas pode ser amplamente classificado em duas categorias: treinamento intervalado de alta intensidade, que normalmente denota esforços submáximos que iniciam a 80% da frequência cardíaca máxima, e treinamento intervalado de sprint (SIT), que envolve todos os esforços de intensidade correspondentemente acima de 100% da potência ou velocidade associada ao VO2máx de um indivíduo. O SIT é uma variação particularmente potente do treinamento intervalado, conforme demonstrado pelo estudo clássico de Tabata (Tabata et al., 1996). Esses trabalhadores utilizaram um protocolo composto por oito sprints de 20 s em cicloergômetro, na intensidade correspondente a 170% do VO2máx com 10 s de recuperação. Quando este protocolo foi realizado cinco vezes por semana durante 6 semanas, o VO2 máx foi aumentado em uma magnitude semelhante a um protocolo envolvendo 5 horas / semana de ciclismo de intensidade moderada. A potência do SIT para provocar adaptações comparáveis ao treinamento de resistência tradicional, apesar das grandes diferenças no volume de treinamento e comprometimento de tempo, foi recentemente demonstrado por Gillen e colaboradores (Gillen et al., 2016).
O referido trabalho foi realizado com dois grupos de homens jovens sedentários que realizavam SIT ou treinamento contínuo de intensidade moderada (MICT), três vezes por semana durante 12 semanas. O treino SIT compreendeu 3320 sprints “all-out” em um cicloergômetro a uma potência de 500 W (uma taxa de trabalho de aproximadamente 2 a 3 vezes a potência inicial alcançada por esses sujeitos no final de um teste de VO2 máximo), com 2 min de recuperação de ciclismo de baixa intensidade (50 W) entre os sprints. MICT consistiu em 45 min de ciclismo contínuo a 110 W (intensidade moderada, 50% do VO2max) e ambos os protocolos envolveram um breve aquecimento e resfriamento, totalizando 5 min, de modo que o SIT constituiu 1 min de exercício intenso dentro de um de tempo de 10 min por sessão, enquanto o MICT envolveu 50 min de exercício contínuo. O VO2pico aumentou 19% em ambos os grupos após o treinamento, com melhorias semelhantes induzidas pelo treinamento na sensibilidade à insulina, conforme determinado por testes de tolerância à glicose. O conteúdo mitocondrial do músculo esquelético, avaliado pela atividade máxima da citrato sintase, também aumentou em grau semelhante após SIT e MICT .
Estes resultados, que são consistentes com outros trabalhos, permitem formular a seguinte pergunta: como alguns sprints fortes em um período de intervenção tão curto provocam uma remodelação tão profunda dos sistemas fisiológicos? Então, vamos dar uma suave pincelada superficial isto em breves parágrafos.
Princípio fundamental do treinamento
Um princípio fundamental de todos os protocolos de treinamento é que qualquer sinal de exercício agudo precisa exceder um certo “nível de estímulo mínimo” para induzir uma variedade de adaptações fisiológicas que resultam em mudanças fenotípicas de longo prazo. O exercício provoca mudanças generalizadas em vários tecidos e órgãos que são causadas pelo aumento da atividade metabólica do músculo esquelético ativo o que é um desafio fisiológico e metabólico enorme para o organismo.
Para enfrentar esse desafio, várias respostas organizadas e integradas funcionam para atenuar as ameaças homeostáticas causadas pelo aumento da renovação da energia muscular e da demanda de oxigênio de todo o corpo (Hawley et al., 2014). Durante o MICT com duração de 1 hora, o suprimento de O2 é abundante e a demanda de substrato pelos músculos ativos é amplamente suprida pela oxidação de combustíveis à base de carboidratos e gorduras. Há uma reserva primária nas fibras musculares de contração lenta do tipo I, e a taxa de mudança da dinâmica celular e distúrbios da homeostase de corpo inteiro é insignificante. Em contraste, tanto no HIIT quanto no SIT,0, as perturbações sobre a homeostase são extensas, tanto a local (muscular) quanto a sistêmica (cardiovascular, respiratória, neural e hormonal).
O SIT, em particular, requer início do exercício com potências absolutas substancialmente mais altas em comparação ao MICT, necessitando do recrutamento de fibras de contração rápida do tipo II. Isso, por sua vez, requer o uso extensivo de metabolismo de substrato não oxidativo para atender às demandas de energia muscular, que são alimentadas exclusivamente, ou quase exclusivamente, por substratos intramusculares (fosfatos de alta energia e glicogênio) com pouca ou nenhuma contribuição de combustíveis à base de gordura. Essa maior demanda absoluta de energia e o recrutamento alterado de fibras geram um maior fluxo de oxigênio absoluto e uma necessidade total de combustível durante a recuperação em comparação com exercícios contínuos de intensidade baixa a moderada. Consequentemente, em contraste com MICT, a taxa de mudança da dinâmica celular e distúrbios da homeostase de corpo inteiro induzida por exercícios intermitentes, e SIT em particular, é extensa (Gibala and Hawley, 2017).
Adaptações ao treinamento intervalado
A natureza “estímulo/recuperação” do exercício intermitente e a associação intracelular “picos” em várias vias de sinalização é um dos mecanismos potenciais para explicar as respostas do músculo esquelético ao treinamento intervalado, incluindo adaptação superior ao HIIT em comparação com MICT, apesar do trabalho combinado, ou adaptação semelhante induzida pelo treinamento SIT e MICT, apesar das diferenças no volume de trabalho total (MacInnis and Gibala, 2016).
Isso poderia estar, por sua vez, relacionado às demandas flutuantes de energia associadas a ciclos repetidos de descanso e trabalho. Por exemplo, o intervalo agudo em comparação com o exercício contínuo demonstrou provocar uma maior fosforilação da proteína Adenosina Monofosfato Kinase (AMPK), presumivelmente devido a maiores aumentos transitórios em [AMP] e/ou perturbação na razão ADP/ATP. Um alvo da AMPK é o cofator transcricional de peroxissoma ativado por proliferação do receptor ou coativador-1a (PGC-1a), um regulador crítico da biogênese mitocondrial. O SIT aumenta fortemente a expressão gênica de PGC-1 após várias horas de recuperação, e a evidência de aumento do conteúdo nuclear de PGC-1 a proteína imediatamente após SIT, mas não MICT. Isto é consistente com a noção de que o exercício intermitente é uma alternativa mais eficiente em termos de tempo para promover eventos moleculares que regulam a biogênese mitocondrial.
O papel potencial do glicogênio como um importante sinal metabólico também pode estar envolvido na mediação de adaptações induzidas por exercícios divergentes para exercícios intermitentes e contínuos. Também é possível que, além de detectar mudanças absolutas nos níveis de vários sinais, como no cálcio (Ca2+) sarcoplasmático, a célula muscular responda a taxas absolutas de mudança, que são mais estocásticas e dramáticas durante o exercício intermitente em comparação ao exercício submáximo contínuo. As alterações induzidas pela contração no Ca2+ intracelular podem estar ligadas a programas distintos de expressão gênica que estabelecem diversidade fenotípica entre fibras musculares esqueléticas e conferem algumas das adaptações de corpo inteiro após protocolos de SIT.
Finalmente, o aumento dos níveis de espécies reativas de O2, acidose e estado redox alterado, incluindo a relação NAD/NADH, também podem desempenhar papéis no ajuste fino das respostas de sinalização posteriormente. Estudos adicionais são necessários, tanto em termos do curso de tempo inicial de eventos moleculares que ocorrem no músculo humano em resposta a episódios repetidos de SIT e como estes potencialmente se ligam ou se traduzem em adaptações de treinamento crônicas. No entanto, o papel preciso da intensidade, duração e volume do exercício na modificação aguda de várias cascatas de sinalização e na coordenação de adaptações fisiológicas específicas induzidas por treinamento ainda precisam ser estudados e determinados.
Em última análise, o SIT é apenas uma opção no arsenal de intervenções de atenção primária que podem ser usadas para combater doenças metabólicas crônicas. Afinal, o treinamento intervalado é apenas um aspecto das estratégias multifacetadas de treinamento periodizado que têm sido usadas por atletas de competição há mais de um século!
Referências
Gibala, M. J. and Hawley, J. A. (2017) ‘Sprinting Toward Fitness’, Cell Metabolism. doi: 10.1016/j.cmet.2017.04.030.
Gillen, J. B. et al. (2016) ‘Twelve weeks of sprint interval training improves indices of cardiometabolic health similar to traditional endurance training despite a five-fold lower exercise volume and time commitment’, PLoS ONE, 11(4). doi: 10.1371/journal.pone.0154075.
Hawley, J. A. et al. (2014) ‘Integrative biology of exercise’, Cell. doi: 10.1016/j.cell.2014.10.029.
MacInnis, M. J. and Gibala, M. J. (2016) ‘Physiological adaptations to interval training and the role of exercise intensity’, The Journal of Physiology, 00, pp. 1–16. doi: 10.1113/JP273196.
Tabata, I. et al. (1996) ‘Effects of moderate-intensity endurance and high-intensity intermittent training on anaerobic capacity and VO(2max)’, Medicine and Science in Sports and Exercise. doi: 10.1097/00005768-199610000-00018.