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As habilidades motoras multifuncionais

Colunista: Mauro Guiselini

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As habilidades motoras utilizadas nas sessões de treinamento multifuncional são diferentes dos considerados “exercícios tradicionais”? Quais são eles?  Exercício é sinônimo de habilidade?

Esta é dúvida da grande maioria dos profissionais, e até mesmo leigos, que pretendem utilizar o treinamento multifuncional, treinamento funcional ou os denominados “treinamento tradicional” (treinamento resistido, endurance) nos seus programas com foco no desenvolvimento da aptidão física relacionados à saúde & bem-estar, estética, desempenho esportivo de lazer ou alto rendimento.

Na literatura especializada, não há uma concordância no que diz respeito a exatamente quais exercícios são considerados “funcionais” ou habilidades motoras funcionais, esta é uma polêmica que tem sido motivo de muita discussão nos meios acadêmicos, em especial nos programas atualmente conhecidos como Fitness.

É importante comentar que, mais recentemente, inúmeros profissionais têm diferenciado programas de treinamento para o desempenho esportivo de alto rendimento e fitness. Acreditamos que tal procedimento tem como objetivo primário diferenciar o treinamento para atletas – recreacionais e de alto rendimento – e aqueles utilizados nas academias e no personal training.

No entanto, de acordo com diversos autores, existe um consenso comum em relação a quais habilidades motoras são utilizadas no treinamento funcional/multifuncional: locomoção (correr, saltar), agachar, puxar, empurrar e rotar são as principais habilidades motoras globais.

Muito embora, de acordo com Boyle (2010), a prioridade é utilizar habilidades motoras globais – multicomponentes, multiplanares – existem situações em que se faz necessário a aplicação de exercícios isolados. Para o referido autor, essa situação é denominada “paradoxo do treinamento funcional”: fortalecer um determinado grupo muscular que necessita de um trabalho isolado, como por exemplo os músculos do manguito rotador.

Ativar, de forma isolada, um determinado grupo muscular, que não está cumprindo a sua ação motora primária, é a recomendação para tornar mais eficaz determinado exercício; um exemplo é a ativação do glúteo médio, por meio do exercício abdução do quadril com auxílio da banda elástica na posição decúbito lateral; o exercício “elevação pélvica” tem sido muito utilizado para priorizar a ação do glúteo máximo, recomendado, principalmente, para alunos que encontram dificuldades em realizar o agachamento tradicional.

Conceitos Básicos

Apresentamos, a seguir, a definição de conceitos básicos relacionados com o tema exercício/habilidade motora que são utilizados nos programas de aptidão física, de acordo com diversos autores que escreveram sobre o tema. Muitos profissionais do exercício têm dificuldades em diferenciar os termos capacidades, habilidades, exercícios, meios e métodos de treinamento, estratégias, metodologia de ensino e metodologia de treinamento. A seguir, apresentamos alguns conceitos básicos que devem ser compreendidos para elaborar um programa de treinamento.

Capacidade

Ser apto ou ser capaz de realizar algo; muitas vezes o termo é utilizado como sinônimo de alguém que tem a habilidade de executar uma determinada tarefa. Em aprendizagem motora, o termo capacidade é definido como traço geral ou qualidade de um indivíduo relacionada com o desempenho de uma variedade de habilidades motoras, sendo um componente da estrutura da habilidade (Magill, 1984).

Capacidade Motora

É um termo genérico que implica uma relação entre a tarefa a se realizar e a capacidade para se executar. Reúne condições ou capacidades que o organismo possui para ser apto, ou não, a uma determinada tarefa. É desenvolvido e depende de fatores genéticos.

Capacidades motoras são qualidades gerais de uma pessoa que permitem a aprendizagem/desenvolvimento de habilidades. São condições físicas e/ou psíquicas hereditárias e desenvolvidas como resultado da maturação, experiência e prática; cada pessoa tem capacidades diferentes que aumentam ou limitam suas possibilidades de se tornar habilidoso em alguma tarefa. (BARBANTI, 2005).

Segundo Magill (1984) capacidade motora é um traço geral ou qualidade de um indivíduo relacionada com o desempenho de uma variedade de habilidades motoras, sendo componente da estrutura dessas habilidades.

Habilidade Motora

Atos ou tarefas que requerem movimento e devem ser aprendidas a fim de serem executadas corretamente (Magill, 1989). Uma técnica esportiva é uma habilidade motora. Para Singer (1977), uma habilidade é um “ato específico, um movimento pré-determinado”. Ela é desenvolvida por meio da prática e depende de capacidades subjacentes (vamos analisar com mais detalhes na sequência). Para GALLAHUE (1989), CORBIN (1969) e KIRCHENER (1978) habilidade motora é um termo que diz respeito ao agrupamento das categorias de movimento (locomoção, manipulação e estabilização), que servem como base para a aprendizagem de habilidades motoras específicas das diferentes modalidades esportivas.

Classificação das Habilidades Motoras

Na literatura especializada, as habilidades motoras são classificadas de várias formas, dependendo do autor e da sua aplicação nas diferentes áreas. A seguir apresentamos uma revisão sobre os principais conceitos e sua respectiva aplicação na aprendizagem das rotinas coreógrafas com música.

Segundo KNAPP (1963), as habilidades motoras podem ser classificadas como predominantemente “perceptivas ou habituais”.

As habilidades denominadas predominantemente “perceptivas” (figura 1) são aquelas que ocorrem em modalidades como o tênis, futebol, esgrima, entre outras, onde a execução do indivíduo está constantemente influenciada pelas mudanças que se produzem no ambiente onde está sendo realizada a habilidade.

Figura 1: Habilidades perceptivas (esgrima e tênis)

Ao contrário, as habilidades denominadas predominantemente “habituais” (figura 2), são aquelas que ocorrem em modalidades tais como salto em altura, lançamento de peso, corrida de velocidade, musculação, arremesso do medicinebol, entre outras, onde as condições ambientais são supostamente estáveis e podem ser avaliadas com antecedência pelo indivíduo antes de tomar uma decisão de execução.

Sob o ponto de vista dos “mecanismos de controle do movimento” em relação ao aspecto perceptivo, POULTON (1957) diferencia as habilidades em dois tipos: abertas e fechadas.

Figura 2. Habilidades Habituais (salto em altura e arremesso do medicinebol)

Habilidades Motoras do Tipo Aberta

São aquelas que, para a sua realização, é essencialmente necessário o circuito de “feedback” externo ou periférico.  A informação visual tem um papel primordial, é essencial para a sua realização como ocorre em modalidades como o basquetebol, handebol, tênis, futebol, uma vez que as informações são controladas pela visão.

Habilidades Motoras do Tipo Fechada

São aquelas onde a execução do movimento é controlada de maneira predominantemente pelos circuitos de “feedback” de caráter interno. A informação cinestésica é fundamental como, por exemplo, na realização de um exercício abdominal, dos exercícios específicos da musculação (supino, agachamento, rosca direta, entre outros) salto em distância, arremesso de peso, entre outros.

Figura 3. Habilidades Motoras Fechadas (supino inclinado e salto em distância)

Naturalmente, as possibilidades de execução são muito mais previsíveis no caso das habilidades fechadas do que no caso das habilidades abertas. Portanto, a importância de uma perfeita automatização de movimento através da repetição exaustiva é primordial no caso das do tipo fechada; no entanto, a respeito das habilidades abertas, onde uma resposta de caráter fixo não é suficiente, a capacidade de adaptação de movimento tem um papel primordial.

Atividades coletivas x atividades individuais

É inquestionável que um jogador de basquetebol, bem como um aluno que participa de uma aula coreografada, tem de adaptar constantemente sua execução tendo em vista uma grande quantidade de informações externas; eles obtêm essas informações não só através da visão, mas também da voz do professor e do som da música, no caso das aulas coreografadas.

Nos esportes coletivos como, por exemplo, o futebol, voleibol, handebol, entre outros, o processo de adaptação é muito grande, tendo em vista a grande quantidade de informações externas – o adversário, o alvo, a trajetória da bolas…

No caso das aulas coreografadas, fechando os olhos por um momento, o aluno se encontraria, ao abri-los, “fora de posição”, meio perdido, já que durante esses breves momentos perdeu um dos elementos do controle perceptivo, que permite se situar e atuar corretamente.

No entanto, o halterofilista ou o aluno que realiza um “exercício abdominal” não tem de tomar decisões acerca de sua resposta motora – ela deve estar totalmente automatizada – podendo atuar praticamente com os olhos fechados e concentrar-se nos aspectos quantitativos da execução, sem ter de se preocupar em como realizar o movimento (já automatizado).

SINGER (1980) sintetiza as análises de KNAPP e POULTON anteriormente expostas, englobando ambas, as habilidades motoras do tipo predominantemente perceptiva e aberta, na denominação Habilidades de Regulação Externa e as do tipo predominantemente habitual e fechada na denominação Habilidades de Autorregulação.

O citado autor introduz uma nova categoria de habilidade denominada REGULAÇÃO MISTA. Nesta categoria, encontra-se uma grande quantidade de habilidades que apresentam (em maior ou menor grau) ambas as características próprias dos outros dois tipos.

Por exemplo, se considerarmos uma corrida de 100 metros, a saída podemos caracterizar como um como componente de regulação externa – o corredor tem de reagir diante de um estímulo externo, cuja informação chega de um sentido periférico (o ouvido); daí a importância do tempo de reação. No entanto, uma vez iniciada a ação, supõe-se que o resto da corrida seja uma ação fundamental de “autorregulação” – uma resposta fixa pré-determinada. Ele tem o controle sobre a aceleração do movimento em função da distância pré-estabelecida; correr com a maior velocidade possível nos 100 metros.

Considerações finais

Nos programas de Fitness, diferente do Esporte, a maioria das habilidades motoras utilizadas são consideradas Fechadas: a execução do movimento é controlada de maneira predominantemente pelos circuitos de “feedback” de caráter interno. A informação cinestésica, de acordo com Guiselini (2016), é fundamental como, por exemplo, na realização de um exercício abdominal, dos exercícios específicos da musculação (supino, agachamento, agachamento afundo, avanço, rosca direta, remada sentada, entre outros).

Lembramos que esta é uma das formas de classificar as habilidades motoras, existem outras na literatura – exercício em cadeia cinética aberta (extremidade livre) ou em cadeia cinética fechada (extremidade fixa) é uma outra forma.

Recomendamos consulta à literatura especializada que trata do tema cadeia cinética aberta e fechada, muito utilizada na fisioterapia e, mais recentemente, nos programas de treinamento, do fitness ao alto rendimento.

Sugestões de leitura

  1. AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. ACSM ́S guidelines for exercise testing and prescription. Baltimore: Williams & Wilkins, 2000. 

  2. AMERICAN COUNCIL ON EXERCISE. Personal trainer manual: the resource for fitness instructor. San Diego, CA, 1992. 

  3. Don Franks, B e Howley, E.T. Manual de Condicionamento Físico. 5a. ed. Porto Alegre: Gráfica e Editora Dedone, 2008.
  4. Guiselini, M.A. Aptidão Física, Saúde e Bem-Estar. 2a. ed. São Paulo: Phorte, 2006
  5. Guiselini, M.A. e Guiselini, R.N. Avaliação Multifuncional: prevenção de lesões e prescrição de treinamento. Instituto Mauro Guiselini de Ensino e Pesquisa. São Paulo, 2016.
  6. HEYARD, V. H. Advanced fitness assessment exercise prescription. 5a ed. Champaign, Illinois: Human Kinetics, 2007.
  7. Jarmey, C. Músculos: uma abordagem concisa. Editora Manole. São Paulo, 2008.
  8. Kisner, C. & Colby, L.A. Exercícios Terapêuticos: fundamentos e técnicas. ed. Editora Manole: São Paulo, 2007.
  9. Lippert, L.S. Cinesiologia Clínica e Anatomia. Ed. Editora Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 2006.
  10. Manske, RC e Reiman, MP. Functional Testing in Human Performance: 139 tests for sports, fitness and ocupational setting. Human Kinetics: Champaing, 2009.
  11. McGill, S. Ultimate Back Fitness and Performance. 3a. ed. Backfitpro Inc. Waterloo, 2004.
  12. The Cooper Institute. Personal Trainer Education-II Course Manual. Dallas, 2009

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