Este está sendo um ano “tipicamente atípico”! Sabe o orçamento do ano realizado antes da pandemia? Pode esquecer… Aqueles planos desenhados com exatidão por especialistas? Não valeram muito… Também os projetos que seriam realizados lá pra 2023… Concretizados. Pandemia faz isso: nos tira do controle de nossos negócios, vira nossa vida de ponta a cabeça. Algumas vantagens podem ser percebidas, pois “quando estamos de cabeça para baixo, temos a oportunidade de ver o mundo por um outro ponto de vista”, disse sabiamente o escritor Roberto Tranjan.
E assim está sendo o ano de 2020: acelerador, revelador, provocador e, sobretudo, questionador de nossas crenças e certezas. Ele, de fato, nos tirou completamente do controle!
Nas corporações, um dos pilares mais atingidos, principalmente no setor de serviços, foi o gerenciamento do time e da folha de pagamento. Demite? Suspende? Reduz? Manda para casa? Trabalha de casa?
As possibilidades e necessidades percorreram e ainda percorrem estas vertentes, que apimentam ainda mais o ano super temperado dos gestores em suas principais decisões. Qual a melhor escolha diante do meu cenário, que parece igual, mas é muito diferente do cenário do meu concorrente, ou do meu parceiro ao lado?
Nunca os gestores estiveram tão antenados a leis e decretos e em suas análises. Tornaram-se – de verdade – grandes especialistas em interpretações de letra de lei, diante da real necessidade de sobrevivência diante do caos empresarial. As Medidas Provisórias de março e abril dão o fôlego necessário para muitos, e a possibilidade do layoff tranquiliza tantos outros.
“Não estamos no mesmo barco!”, dissemos diversas vezes ao longo da quarentena! Estamos no mesmo mar, mas as embarcações são bem distintas! Há quem esteja em iates ou transatlânticos, confortáveis e tecnológicos; há quem esteja em bons veleiros que, apesar de tradicionais, são fortes e sólidos; há quem esteja em pequenos barcos mais frágeis; há aqueles em jangadas caindo aos pedaços e, infelizmente, há aqueles que já estão de colete salva vidas dentro d’água, quase sem forças para lutar pela sobrevida!
Por isso, cada decisão, cada centavo, cada rota a seguir tem sua máxima importância. Para muitos, não dá mais tempo e nem há mais recursos para cometer erros. Já estão literalmente perdendo o ar.
Neste momento, o entendimento pelos gestores de questões muito técnicas se faz essencial para a melhor tomada de decisão. E elas são baseadas na legalidade, nos números, pensando nas pessoas e na rota mais lúcida a ser traçada. Atentar-se à cultura da empresa sem esquecer dos números vitais. Empatizar-se com o time e com os clientes, que certamente também sofrem com o Coronavírus, sem deixar que o negócio se esvaia por conta da falta de dinheiro.
Chegamos, então, ao final do ano e com ele, além dos grandes aprendizados, alguns encargos e reflexos salariais precisam ser honrados. Mencionando especificamente as férias e o décimo terceiro salário, há de se tecer boas considerações!
Considerações sobre férias de empregados com contrato suspenso/reduzido
Quando foi publicada a primeira Medida Provisória referente às relações de trabalho na pandemia – a MP 927, de 23 de março de 2020 – ficou autorizado que os empresários adiantassem férias de seus empregados, ainda que o terço constitucional fosse adimplido apenas no vencimento da última parcela do décimo terceiro salário, lá no final do ano, quando tudo já TERIA passado…
Também foi possível conceder férias sem o respeito pelo aviso prévio de 30 (trinta) dias, substituído pelas míseras 48 (quarenta e oito) horas, bem como manter o pagamento das férias juntamente com o pagamento do salário corrente. Através dessa mesma Medida Provisória, foi possível adiantar férias aos empregados que não tivessem direito aos 12/12 necessários para sua concessão integral.
Uma nítida forma de trazer o direcionamento necessário e um pouco de alento para os gestores que ainda não contavam com o Programa de Preservação de Emprego e Renda do Governo Federal, publicado através da segunda Medida Provisória que cuidava dos colaboradores – a MP 936, de 01 de abril de 2020.
O enredo dos colaboradores fica mais sofisticado quando, por meio da MP 936, os empregados ganham a possibilidade de terem seus contratos suspensos ou reduzidos.
Na prática, os pontos acima trazidos resultaram em:
- Empregados que saíram de férias e não receberam um terço de férias.
- Empregados que saíram de férias e não formalizaram a natureza de seu descanso (não possuíam recibo ou documentação adequada)
- Empregados que saíram de férias e que não tinham direito, integralmente, tendo a sua concessão adiantada por conta do cenário.
A partir de abril de 2020, quando os contratos de trabalho começaram a ser suspensos ou reduzidos, ainda à luz da concessão das férias, alguns empregados que já tinham adiantado férias no período anterior cumularam com as novas prerrogativas a partir do Programa de Preservação de Emprego e Renda do Governo Federal e com a atenção de que o pagamento das férias deve admitir a remuneração da data de sua concessão como base de cálculo.
Esclarecendo: o empregado trabalha 12 (doze) meses para ter direito a férias. É por este motivo que, no primeiro ano, normalmente, não há período de descanso. Esse período é chamado de período aquisitivo. Os 12 (doze) meses subsequentes traduzem o prazo que a empresa tem para conceder ao empregado as férias por ele adquiridas no ano anterior. É, portanto, o prazo em que o empregado deve desfrutar do descanso constitucional. Quem determina o período de férias do empregado é o empregador, respeitados os limites legais de fragmentação, o limite de conversão para abono pecuniário (venda de férias) e as datas de início de sua concessão, além do fato de que o empregador deve levar em conta a vontade e a conveniência de seu empregado, dando espaço ao comum acordo.
É verdade dizer que, enquanto a empresa cumpre seu período concessivo (prazo para dar as férias) o empregado também já está trabalhando para ter direito às férias seguintes, caracterizando o novo período aquisitivo. Portanto, a partir do segundo ano de empresa, o empregado, ao mesmo tempo, trabalha período aquisitivo (tempo de trabalho para que ele tenha direito a férias), enquanto o empregador cumpre seu período concessivo (prazo que a empresa tem para dar férias ao empregado).
As férias e as suspensões dos contratos de trabalho
Quando o contrato de trabalho é suspenso por mais de 30 (trinta) dias, o empregado perde direito às férias proporcionais. Isso significa dizer que os duodécimos (1/12) que o empregado conquista mensalmente em seu período aquisitivo ficam “zerados” se o contrato de trabalho for suspenso por mais de 30 (trinta) dias.
EXEMPLO 1
Um empregado foi admitido em 01 abril de 2018 e teve seu contrato suspenso de 01 de junho de 2020 até 31 de julho do mesmo ano, portanto, 60 (sessenta) dias.
- Primeiro ciclo
01 de abril de 2018 a 31 de março de 2019: apenas período aquisitivo.
- Segundo ciclo
01 de abril de 2019 a 31 de março de 2020: período concessivo do primeiro ciclo e aquisitivo do segundo ciclo.
- Terceiro ciclo (antes da suspensão)
01 de abril de 2020 a 31 de março de 2021: período concessivo do segundo ciclo e período aquisitivo do terceiro ciclo.
- Terceiro ciclo (após suspensão do contrato)
01 de abril de 2020 a 31 de março de 2021: período concessivo do segundo ciclo.
01 de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021: período aquisitivo do terceiro ciclo.
Considerações
- O período concessivo da empresa do segundo ciclo não muda sua data de vencimento, que permanece em 31 de março de 2021.
- O período aquisitivo do terceiro ciclo foi interrompido com 2/12, quando, em junho, o contrato foi suspenso.
- O período aquisitivo do terceiro ciclo reinicia sua contagem a partir do retorno do empregado ao trabalho. Portanto, o terceiro ciclo do empregado tem períodos aquisitivo e concessivo “descolados” um do outro. O período concessivo do terceiro ciclo do empregado mantém seu vencimento em 31 de março de 2021, enquanto o período aquisitivo do empregado será apenas em 01 de agosto de 2021 (data de retorno da suspensão).
- A partir do quarto ciclo, as datas já se reencontram e, caso o contrato não seja suspenso novamente, terá seu vencimento em 01 de agosto de 2022.
Vale mencionar que assim como as suspensões dos contratos de trabalho oriundas da MP 936 e decreto sucessor, o layoff também é um tipo de suspensão de contrato de trabalho e causa o mesmo efeito. Também é preciso dar atenção ao fato de que os empregados com vencimentos de períodos de férias no segundo semestre terão maior prejuízo por conta da perda da proporcionalidade das férias.
Exemplo 2
Empregado contratado em 04 de setembro de 2018, tendo o contrato de trabalho sido suspenso de 09 de maio de 2020 a 08 de julho de 2020 pela MP 936 e, na sequência, o empregado ingressou no layoff do dia 11 de julho de 2020 até 10 de outubro de 2020. Dia 11 de outubro o empregado retorna ao trabalho.
- Primeiro ciclo
04 de setembro de 2018 a 03 de setembro de 2019: período aquisitivo (empregado trabalha para ter direito a férias), sem contagem de período concessivo
- Segundo ciclo (antes da suspensão)
04 de setembro de 2019 a 03 de setembro de 2020: período aquisitivo do segundo ciclo e período concessivo (prazo da empresa para que o empregado tire férias) do primeiro ciclo.
- Segundo ciclo (após a suspensão)
04 de setembro de 2019 a 03 de setembro de 2020 (prorrogado para 11 de outubro de 2020): período concessivo do primeiro ciclo.
04 de setembro de 2019 a 09 de maio de 2020: período aquisitivo proporcional interrompido por conta da suspensão. Sem contagem e sem pagamento. Novo período aquisitivo: 11 de outubro de 2020 a 10 de outubro de 2021.
- Simulação do Terceiro Ciclo
11 de outubro de 2020 a 21 de outubro de 2021: período aquisitivo do terceiro ciclo e período concessivo do segundo ciclo (modificado pela suspensão).
Considerações
- O período concessivo da empresa não muda, portanto, o prazo da empresa para conceder as férias venceu durante a segunda suspensão do contrato de trabalho.
- Desta forma, assim que retornar ao trabalho, em outubro, necessariamente o empregado deve sair de férias, sob pena de pagamento em dobro por conta de ultrapassar o período concessivo, o que caracteriza férias vencidas.
- A regra anterior só poderá ser exigida se no primeiro ou início do segundo ciclo o empregado não gozou de nenhum período de férias.
- Caso o empregado, seja no primeiro ou segundo ciclos, tiver gozado parcialmente de férias, o período concessivo para o saldo remanescente permanece o mesmo (no exemplo, na data do retorno da suspensão).
- A empresa não é obrigada a tirar o empregado da suspensão para substituição por férias por conta do vencimento do prazo do período concessivo. Deve esperar acabar a suspensão para que, no retorno, possa conceder as férias.
- O empregado teve seu segundo ciclo interrompido por conta de duas suspensões, ambas superiores a 30 (trinta) dias. Portanto, o período aquisitivo do empregado foi interrompido em 09 de maio de 2020, com aquisitivo na proporção de 8/12.
- O empregado volta alguns dias (de 08 a 11 de julho de 2020) mas logo em seguida tem seu contrato suspenso por mais 90 (noventa) dias.
De acordo com os exemplos trazidos, é possível reconhecer que os vencimentos dos prazos de concessão de férias sofrerão flutuações por conta das suspensões dos contratos. Há de se ter muita atenção e revisão dos gestores na conferência das datas de concessão e pagamento de férias!
Além de suspensos, muitos empregados continuaram seu trabalho em jornada – e salário – reduzidos, atendendo aos preceitos da MP 936 e decreto sucessor. Nestes casos, não há que se falar em interrupção da contagem das férias proporcionais. A maior atenção, neste caso, está baseada no valor da base de cálculo das férias.
O artigo 142 da CLT é claro quando determina que será devida a remuneração da data da concessão das férias. Isso significa dizer que mesmo os empregados que em algum momento tiveram seus contratos reduzidos, caso já tenham sido normalizados devem receber integralmente.
Aos horistas, a base do salário das férias deve ser calculada pela média das horas do período aquisitivo, preenchidas as determinações de atualização de bases salariais conforme previsto no parágrafo sexto do artigo 142 da CLT.
Décimo terceiro e suspensão dos contratos
O adicional Natalino ou décimo terceiro salário provém de lei e não pode ser negociado diretamente com o sindicato ou empregado o seu pagamento. A lógica do 13º salário atende ao preceito de que cada mês trabalhado no ano corresponde a um duodécimo (1/12) do benefício. Portanto, aos empregados que trabalharam todo o ano, será devido um salário a mais (12/12) no período.
A suspensão dos contratos de trabalho altera o valor final de pagamento, considerando as seguintes regras:
- Será devido o duodécimo (1/12) para base do pagamento do 13º salário quando o empregado teve seu contrato ativo por mais da metade do período mensal. Portanto, se o empregado, na vigência do mês, teve seu contrato mais ativo do que suspenso, o mês conta para o pagamento do 13º salário.
- A contrario sensu, não entrará para base de cálculo do 13º o mês que teve mais da metade de seus dias com contrato suspenso. Portanto, se o empregado, na vigência do mês, teve mais dias de suspensão do que de trabalho, aquele mês não entra na contagem do duodécimo (1/12) para o pagamento do adicional.
Exemplo 3
Empregado foi admitido em 2015 e teve em 2020 seu contrato de trabalho suspenso de 05 de junho a 04 de setembro. Trabalhou de 05 a 10 de setembro e dia 11 de setembro teve seu contrato suspenso por mais 60 dias até dia 09 de novembro. A partir do dia 10 de novembro trabalha normalmente. O empregado tem remuneração fixa.
Considerações
- Janeiro a maio: contam os duodécimos (5/12).
- Junho: teve contrato suspenso no dia 05 (cinco). Portanto ficou no mês com o contrato suspenso por 25 (vinte e cinco) dias. Não conta o duodécimo.
- Julho: teve contrato suspenso, não conta o duodécimo.
- Agosto: teve o contrato suspenso, não conta o duodécimo.
- Setembro: volta no dia 05 (cinco), mas trabalha apenas por 5 (cinco) dias, já que no dia 10 (dez) tem novamente seu contrato suspenso, não conta o duodécimo.
- Outubro: teve o contrato suspenso, não conta o duodécimo.
- Novembro: retorna no dia 10 (dez) e trabalha por 20 (vinte) dias. Conta o duodécimo de 1/12
- Dezembro: trabalha normalmente, conta o duodécimo.
No caso em tela, o empregado terá direito ao recebimento com base na média da remuneração dos meses trabalhados na proporção de 7/12 (sete doze avos).
Décimo terceiro salário e redução dos contratos
Os reflexos da redução dos contratos de trabalho pela MP 936 e decreto sucessor também afeta a base de pagamento do adicional Natalino. Não há que se falar em proporção de pagamento menor de 12/12 (doze doze avos) para os empregados contratados até janeiro de 2020. Mas a base de cálculo para pagamento do adicional deve considerar a média duodecimal percebida pelo empregado ao longo do ano multiplicada pelos meses trabalhados, para o caso de empregados que tiveram seus contratos reduzidos e depois suspensos.
Conclusões
Tipicamente atípico, necessariamente atento e minuciosamente calculado. Assim encerramos o ano inédito de 2020.
Espero que as orientações possam servir como balões de oxigênio que poderão dar maior fôlego para nossas embarcações, sem desejar, mas já prevendo e planejando uma possível segunda onda, grande e poderosa. Quem sabe, assim, mais preparados, não sejamos pegos pelo “salve-se quem puder”.
E que venha 2021 com gestores mais antenados em seus resultados, mais ligados nas relações legais e mais conscientes de que não existe o jeito certo de fazer a coisa errada. É preciso fazer o que é certo, do jeito certo. Assim, com olhar estratégico, o legal pode se tornar muito legal!
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