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As academias estão preparadas para uma nova pandemia?

Com certeza muitos não querem nem pensar nisso. Mas não seria prudente começar a se prevenir?

Quando as portas das academias se fecharam quase sem aviso em 2020, o mundo do fitness foi colocado à prova como nunca antes. Agora, perante a possibilidade de uma nova pandemia, a pergunta que se impõe é: estamos realmente preparados para o que virá a seguir?

A pandemia da Covid 19 serviu como um despertador estridente para os empresários de academias, mostrando que o inesperado não é apenas possível, mas provável.  Ninguém poderia prever a magnitude do impacto que uma pandemia global teria em todos os setores, especialmente no fitness. Agora já podemos prever e já tivemos um teste, a experiência foi vivenciada com um sabor amargo. No entanto, se acontecer de novo, o verdadeiro teste para os empresários de academias não será apenas sobreviver, mas prosperar em face ao inesperado.

Entre lockdowns e restrições, as academias de fitness sofreram um duro golpe. Com a possibilidade de novas pandemias no horizonte, devemos realmente preparar toda a estrutura e o mercado para blindar nossos negócios contra as “futuras tempestades”.

A pandemia foi um divisor de águas para o setor de fitness, expondo vulnerabilidades e incitando inovação. Muitas faliram, fecharam de vez as portas. Outras sofreram graves prejuízos e tiveram que reduzir suas estruturas, fazer demissões, vender equipamentos e se endividar com mais financiamentos. Diante de um possível novo cenário pandêmico, como podemos assegurar que nossas academias não apenas vão sobreviver, mas conseguirão prosperar em face às futuras crises de saúde pública?

A OMS já faz um alerta sobre uma nova pandemia

Em janeiro de 2024, em Davos, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou, durante o Fórum Econômico Mundial 2024, sobre a necessidade de o planeta se preparar para um possível surto ainda mais letal que a COVID-19. Tedros enfatizou a importância de uma estratégia de preparação e resposta a emergências de saúde que considere a possibilidade de uma nova pandemia. A “Doença X” é um termo usado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para representar a consciência de que uma pandemia internacional pode ser causada por um patógeno atualmente desconhecido para a ciência. A ideia é que, embora não se saiba a natureza exata da próxima ameaça pandêmica, é crucial estar preparado para uma gama de possíveis doenças emergentes.

Lições da Pandemia Covid 19 para as academias

Durante a pandemia da COVID-19, as academias de fitness enfrentaram desafios sem precedentes que afetaram profundamente suas operações, incluindo as relações de trabalho com os profissionais de Educação Física. Aqui está um resumo dos principais impactos:

  • Fechamento temporário de estabelecimentos: as academias foram obrigadas a fechar temporariamente suas portas como parte das medidas de isolamento social para conter a propagação do vírus. Esse fechamento resultou em perda de receita significativa, impactando a capacidade financeira das academias de manter sua folha de pagamento e outros custos operacionais. Muitas faliram e fecharam definitivamente suas portas.
  • Demissões e reduções de equipe: diante da incerteza econômica e da redução drástica de receitas, muitas academias foram forçadas a demitir funcionários ou reduzir suas equipes. Profissionais de Educação Física, personal trainers e outros funcionários enfrentaram demissões ou reduções significativas em suas horas de trabalho. Quando aconteceu “o retorno”, muitos já tinham migrado para outras possibilidades de empreendimentos com suas próprias aulas on-line ou outros serviços personalizados.
  • Licenças temporárias: em alguns casos, as academias optaram por colocar seus funcionários em licença temporária, uma medida que permite alguma flexibilidade tanto para o empregador, quanto para o empregado em tempos de crise. Essas licenças, no entanto, muitas vezes vieram com redução ou suspensão temporária de salários. Isso também gerou muita insegurança nas relações de confiança entre os profissionais e empresas.
  • Adaptação ao ambiente virtual: a pandemia acelerou a transição para o ambiente virtual. Muitos profissionais de Educação Física adaptaram-se rapidamente, oferecendo aulas e treinamentos online. Embora isso tenha criado novas oportunidades, também representou desafios, como a necessidade de competências tecnológicas, a adequação de espaços para aulas virtuais e a dificuldade de manter a clientela e a renda estáveis. Muitas academias também criaram seus ambientes e plataformas on-line, mantendo ou contratando profissionais experts e com carisma para manter audiências em lives e aulas virtuais.
  • Preocupações com a segurança e a saúde no retorno: com o início da reabertura, surgiram preocupações significativas sobre a segurança e a saúde tanto dos funcionários quanto dos clientes. Os empresários de academias e os profissionais de Educação Física tiveram que se adaptar aos novos protocolos sanitários e medidas de segurança, como o uso de máscaras, a desinfecção frequente de equipamentos e a manutenção do distanciamento social, o que exigiu esforços adicionais e, em alguns casos, reduziu a eficiência das operações devido à limitação do número de clientes.

O retorno das atividades, ainda no período pandêmico e imediatamente após, trouxe uma pressão significativa, com demissões, licenças e a necessidade de adaptação rápida a um novo ambiente operacional. Também forçou o setor a inovar e buscar novas formas de engajamento com os clientes.

O novo normal e o “deixa a vida me levar”

Com a volta gradativa ao “novo normal”, a retirada das regras impostas, das máscaras, o retorno dos alunos e a sensação de que tudo voltou como era antes foi dando uma falsa sensação de estar tudo bem.  A tendência de um afrouxamento e até esquecimento do que se passou ao longo do tempo vai tomando conta. Para muitos, a música “Deixa a vida me levar” acaba fazendo parte da rotina. Assim como muitas pessoas não gostam de falar e nem planejar nada sobre a morte, também negam qualquer possibilidade de uma nova pandemia. A certeza da morte deveria fazer com que muitos planejassem e deixassem o mais resolvido possível todos os documentos e bens para os que vão ficar. Quem já passou por inventários, espólios, heranças, processos e gastos com documentações sabe bem como é. Não tão certa como a morte, mas com muitas evidências e alertas da própria OMS é a possibilidade de uma nova pandemia. Estar preparado é o melhor negócio!

Dicas importantes e cuidados

1. A Importância das academias serem classificadas no CNAE dentro do setor de Saúde

Certamente este é um ponto FUNDAMENTAL para ser conquistado desde já, definitivamente, pelo setor de academias de ginástica.

CNAE é a sigla para Classificação Nacional de Atividades Econômicas. Consiste em um código composto por 7 dígitos que identifica qual é a atividade econômica exercida por um negócio. O código CNAE serve para identificar, classificar e organizar as atividades econômicas realizadas por empresas. Ele é utilizado para fins de registro, enquadramento tributário, estatísticas, segmentação de mercado e elaboração de políticas públicas, contribuindo para a compreensão e o acompanhamento da economia do país.

De acordo com o IBGE, órgão gestor da CNAE, a classificação é hierarquizada em cinco níveis: seções, divisões, grupos, classes e subclasses. A partir da combinação de sete números, como exemplo o código 8630-5/03, a Comissão Nacional de Classificação (Concla) esclarece:

Seção: Q SAÚDE HUMANA E SERVIÇOS SOCIAIS

Divisão: 86 ATIVIDADES DE ATENÇÃO À SAÚDE HUMANA

Esta deveria ser a seção e divisão que as academias de ginásticas poderiam estar classificadas, o que daria muito mais flexibilidade e facilidade na questão de abertura e continuidade dos serviços prestados para a sociedade por ser um ambiente de prevenção e de saúde. A Profissão de Educação Física já está classificada como uma profissão da área de saúde.

Consultei sobre esse assunto o Dr. Felipe Bianchessi, advogado com vasta experiência em Direito do Trabalho e Empresarial, auditor trabalhista e fundador do Acad Juris e do escritório Bianchessi Advogados Associados que tem mais de 300 academias atendidas, incluindo 155 apenas durante a pandemia de COVID-19:

“As academias tiveram uma flexibilização na época da COVID por um tempo e por meio de decretos. Após muita luta, debates e até mesmo após muitas falências e prejuízos já terem acontecido, aos poucos os estabelecimentos de atividades físicas foram conseguindo ter reconhecimento para serem abertos com certas regras e prevenções. Mas tudo que foi produzido à época foi ficando em suspenso e com a volta ao normal tudo ficou emperrado em burocracias e até pouca ação dos maiores interessados. Não houve uma evolução e uma busca na concretização das mudanças necessárias para efetivar as academias como essenciais e classificadas no CNAE como participantes do setor da área de saúde. Isso seria fundamental para se, caso haja uma nova pandemia, um novo fechamento de estabelecimentos, as academias possam ter efetivamente e legalmente uma prioridade de restabelecer seus serviços.

Existe um trabalho iniciado, mas que precisa ser mais movimentado principalmente pelos mais interessados, empresários do setor de academias de Fitness.”

Podemos ver que a classificação atual das academias de fitness no CNAE não reflete seu papel na promoção da saúde e bem-estar. Foram evidentes os prejuízos econômicos para os empresários, incluindo falências e demissões. Assim como o impacto psicológico e de saúde nos praticantes, que perderam um importante meio de manter a saúde física e mental durante um período de estresse elevado. Isso precisa ser discutido e mais divulgado desde já como uma forma de preparação para uma possível nova onda.

Diversos estudos e pesquisas científicas demonstram os benefícios da prática regular de exercícios físicos, incluindo prevenção de doenças crônicas, melhoria da saúde mental e fortalecimento do sistema imunológico. É inegável e de conhecimento público e midiático que, ao promover um estilo de vida saudável, as academias de fitness desempenham um papel crucial na saúde da população.

As academias já sabem da importância de ter planos de contingência robustos, incluindo procedimentos de higiene reforçados, flexibilidade operacional e estratégias de engajamento online. Agora, O FOCO PRECISA SER na reavaliação da classificação CNAE para as academias, visando reconhecê-las como essenciais à saúde pública e garantir que estejam melhor preparadas e protegidas contra futuras crises.

Faz-se urgente a necessidade de um diálogo entre empresários, autoridades de saúde e o governo para reclassificar as academias de fitness, assegurando seu reconhecimento como parte integrante do setor de saúde e bem-estar.

2. Relações trabalhistas Academia X Profissionais de Educação Física

Outro assunto importante onde houve uma certa desestabilização na época da pandemia de Covid 19 foram as relações trabalhistas. O que fazer diante daquele cenário? Empresários em dúvida do que fazer para manter os pagamentos dos funcionários estando fechados, sem receita, sem previsão de reabrir. Demissão? Licença?

E agora? Se houver uma nova pandemia? Como estão as relações trabalhistas? Fizeram novas composições? Novos contratos?

Algumas academias perceberam que suas relações com os profissionais de Educação Física e mais especificamente com os personal trainers mudaram. As relações estremeceram um pouco durante o período da pandemia. Insegurança, desconfiança e necessidade urgente de buscar novas opções e adaptações por parte dos profissionais também.

Muitos profissionais buscaram o caminho de empreender e gostaram disso. Viram que era mais lucrativo. Ter suas próprias empresas, suas aulas on-line, suas orientações virtuais e até mesmo com a volta do “novo normal” preferiram continuar seus negócios com aulas nas casas dos alunos, em condomínios, em parques, praias etc. As aulas de SMALL GROUPS (pequenos grupos) cresceram, assim como a rentabilidade e lucratividade dos profissionais aumentou bastante. Vários profissionais preferiram não retornar para o modelo anterior de serem contratados pela CLT nas academias ou até mesmo ter que pagar por suas aulas de personal training nas academias (mesmo quando o professor é funcionário próprio). Esse modelo precisa ser revisto pelas academias, caso contrário, será cada vez mais difícil conseguir contratar profissionais de qualidade.

O Dr. Felipe Bianchessi orienta também sobre esse assunto:

“O profissional de Educação Física agora tem mais oportunidades de empreendimentos para ser autônomo e prestador de serviços.  Mas como Pessoa Física, ficam sujeitos a encargos tributários de Imposto de Renda que podem chegar a 27 %. Cada vez mais, para qualquer atividade profissional, é melhor abrir uma empresa com uma assessoria contábil para redução de encargos e impostos. Tudo que acontece no CPF hoje em dia está monitorado. Até para comprar remédios tem que dar o número do CPF. A Inteligência Artificial está cada vez mais avançada no cruzamento de dados para o Governo. Atividade do Profissional de Educação Física é regulamentada e não pode ser MEI. Para estes profissionais, o melhor é abertura de uma SLU – Sociedade Limitada Unipessoal. A Acadjuris oferece todas as orientações tanto para as academias, quanto para os profissionais de Educação Física, inclusive com o serviço de contadores especializados na área de academia com descontos especiais.”

Esta é uma opção relativamente nova, introduzida pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que permite a constituição de uma sociedade limitada por uma única pessoa. A SLU não exige um capital social mínimo, tornando-se uma alternativa mais acessível para muitos profissionais.

Considerações em momentos de crise

Durante crises como uma Pandemia, a flexibilidade operacional oferecida pela contratação via SLU pode ser particularmente valiosa para as academias, permitindo um ajuste mais rápido às condições econômicas e de demanda flutuante. No entanto, essa abordagem também pode levar a uma maior instabilidade para os profissionais, o que, por sua vez, pode afetar a qualidade do serviço e a lealdade à academia.

Portanto, a escolha entre CLT e SLU deve levar em consideração não apenas os custos e a flexibilidade, mas também a cultura organizacional, os valores da academia e o impacto a longo prazo na qualidade do serviço e na satisfação dos clientes. Em última instância, uma abordagem equilibrada, que ofereça segurança aos profissionais enquanto mantém a flexibilidade operacional da academia, pode ser a mais vantajosa para enfrentar crises futuras.

CLT X SLU

Nas relações trabalhistas é importante saber as vantagens e desvantagens de contratos pela CLT ou SLU:

Vantagens CLT

  • Estabilidade para o profissional: o vínculo empregatício oferece maior estabilidade para o profissional, incluindo benefícios como férias, 13º salário, FGTS, entre outros.
  • Previsibilidade de custos para a academia: a academia tem uma previsibilidade maior dos custos trabalhistas, uma vez que os valores são fixos e recorrentes.
  • Menor risco trabalhista: seguir a CLT reduz o risco de processos trabalhistas relacionados a descumprimento de direitos.

Desvantagens CLT

  • Custo fixo elevado: o custo trabalhista pode ser um ônus significativo, especialmente em períodos de baixa demanda, como ocorrido durante a pandemia.
  • Menor flexibilidade: ajustar a equipe conforme a demanda se torna mais complicado devido às proteções contra demissões sem justa causa.

Vantagens SLU

  • Flexibilidade operacional: contratar uma SLU permite ajustes mais rápidos em termos de carga horária e serviços prestados, adaptando-se melhor às variações de demanda.
  • Redução de encargos trabalhistas: a academia não precisa arcar com os mesmos encargos trabalhistas previstos na CLT, como férias, 13º salário etc.
  • Facilidade na rescisão: o processo de término de contrato tende a ser mais simples e menos custoso do que a demissão de um empregado CLT.

Desvantagens SLU

  • Menor vinculação do profissional com a academia: a relação pode ser mais distante, o que potencialmente afeta a cultura organizacional e o comprometimento do profissional.
  • Risco de vínculo empregatício: se a relação com a SLU caracterizar subordinação, pessoalidade, habitualidade e remuneração, pode haver o reconhecimento de vínculo empregatício, com consequências legais e financeiras.
  • Instabilidade para o profissional: profissionais podem sentir-se menos seguros sem os benefícios e proteções da CLT, o que pode impactar sua motivação e desempenho.

ALERTA IMPORTANTE

    O Dr. Felipe Bianchessi faz um importante ALERTA PARA AS ACADEMIAS:

O profissional não pode atuar como PJ (pessoa jurídica) substituindo a função de professores que deveriam estar contratados por CLT. Alguns consultores de academias, que prestam serviços nesta área, estão fazendo um movimento de encorajar proprietários a contratar professores como PJ. Isso se chama “Pejotização”. Isso é muito ilegal e muito mal visto juridicamente. Pode dar graves condenações judiciais e prejuízos graves em multas e indenizações. Já tive casos com multas severas e indenizações altíssimas. Principalmente em cargos como gerentes, gestores, coordenadores etc. Isto é pior ainda. Pode até contratar um profissional, prestador de serviço, como consultor, um gestor que tenha autonomia, que vá sem horário fixo, totalmente independente, ele tem sua própria rotina, monta seus próprios horários, presta seu serviço e cumpre com suas funções acordadas no contrato de serviço a ser prestado. Mas tem que ficar claro que não existe nenhum vínculo empregatício com a academia.”

Este alerta serve para profissionais com serviços terceirizados nas áreas de Pilates, Lutas, Corridas externas, danças etc. Estes terceirizados também precisam estar respaldados com contratos bem específicos, com CNPJ e ficando claro que eles não possuem nenhum vínculo empregatício com a academia.

Conclusão e chamada final

Reforço a ideia que ao enfrentar os desafios sem precedentes no momento da crise da pandemia, o setor de academia e fitness demonstrou sua resiliência e importância para a sociedade.

Agora não podemos acomodar e entrar no modo “deixa-a-vida-me-levar”. É urgente um diálogo entre empresários, autoridades de saúde e o governo para reclassificar as academias de fitness, assegurando seu reconhecimento como parte integrante do setor de saúde e bem-estar.

Fica um convite à ação para todos os stakeholders envolvidos: empresários de academias, profissionais de saúde, reguladores e a sociedade em geral, para colaborarem na redefinição do papel das academias na promoção da saúde pública, garantindo que o setor esteja preparado para enfrentar qualquer desafio futuro com ainda mais resiliência, flexibilidade e segurança jurídica.