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O poder das aulas coletivas nas academias de ginástica

Estamos em 2014. Como andam as aulas coletivas nas academias de ginástica? Não é mais como antigamente? Estão mais vazias? Poucos professores habilitados? Houve um desinteresse? Na sua academia já pensaram em acabar com as aulas coletivas? Pensaram em fechar ou transformar salas de coletivas em mais musculação?

Aparecem cada vez mais academias concorrentes só de musculação, com preços mais baixos, poucos professores especializados em aulas diferenciadas, professores que só querem ser personal trainer. Esse é um cenário atual que preocupa e deixa questões: as aulas coletivas vão acabar? Já acabaram? Queremos isso? É o melhor custo benefício? Os alunos/clientes querem isso?

Onde está o X do problema? Nos alunos que só querem musculação? Nos professores dessa geração, preguiçosos, que só querem ser “personais” porque é o que se paga mais com menos esforço? Dos gestores que pagam cada vez menos por hora de aulas coletivas especializadas esvaziadas? Das faculdades que não ensinam como deveriam? “Aulas coletivas”
realmente é um assunto ultrapassado? Elas estão acabando?

“O biscoito vende mais porque é mais fresquinho, ou é mais fresquinho porque vende mais?” Eis o paradoxo!

Será que os seres humanos mudaram tanto seus sentimentos, suas emoções e suas características mais básicas da nossa espécie? Vamos fazer uma pequena jornada no tempo: Centenas de culturas de caçadores e coletores já foram descritas. O trabalho em equipe, a ajuda do grupo se fazia necessária para o êxito das caçadas. Na hora da conquista, comemoravam, se alimentavam e se aqueciam juntos ao redor do fogo.

Existe uma atração da nossa espécie de seres humanos, desde nossos ancestrais, para o desejo de alegria coletiva, historicamente expresso em rituais de êxtase, em festas com banquetes, brincadeiras, jogos, danças e fantasias. Ao longo de séculos, até os dias de hoje, testemunhamos vários movimentos de alegria grupal. Shows de rock, espetáculos de dança, carnaval, êxtase de torcidas nos esportes, passeatas e mobilizações políticas.

O livro “Dançando nas ruas”, de Bárbara Efrenreich, conclui que “somos seres sociais, gregários, por natureza, impelidos a compartilhar nossa alegria uns com os outros, e assim capazes de construir um mundo mais lúdico, divertido e um futuro mais pacífico.”

Será que os seres humanos modernos mudaram tanto em relação a estes primitivos nos seus básicos instintos e emoções? Não é o que vemos fortemente nas igrejas; nas reuniões bem sucedidas nos tratamentos em grupo do alcoolismo, da obesidade, de transtornos psicológicos, das drogas; nos exercícios dos militares; em presídios modelos; em flash mobs; nos blocos de rua no carnaval do Rio, nos trios elétricos, na festa do boi, entre outras manifestações populares, todas em grupo.

E nas academias de ginástica? Será que só os clientes/alunos de academias são tão diferentes da maioria dos seres humanos desde os nossos primórdios?

Certamente estas pessoas que ainda se mobilizam coletivamente, que se divertem, que gostam de se exercitar, de dançar em grupo, de participar de uma tribo, de um movimento, de uma manifestação, ainda gostam e querem
frequentar AULAS EM GRUPO nas academias.

O fato é que muitos proprietários de academias estão insatisfeitos, muitas academias estão ficando sem ginástica, existem poucos professores bons no mercado, outros desinteressados, mal formados e sem comprometimento. Como qualquer atividade grupal, que exige uma liderança, a motivação está ligada ao condutor da atividade. Hoje há
poucos profissionais preparados, criativos e comprometidos com as aulas coletivas. Por quê?

Vamos pensar como andam as faculdades de EF e como estão sendo ministradas as diversas modalidades de aulas coletivas na formação acadêmica de ginástica de academia:

Os mestres doutores das faculdades possuem competências específicas práticas para essas atividades?

As aulas coletivas nas faculdades são todas ministradas e ensinadas para valer e na prática? Possuem espaço,
materiais, som e tempo para tal? Existem pesquisas nessa área? Pós graduações e cursos de extensão sobre aulas em grupo? GARANTO que a maioria das respostas para essas perguntas é NÃO!

Nas LICENCIATURAS, formação para professores de escola, há um foco maior em recreação, jogos e desportos. Mas a
grande maioria dos adultos ativos farão exercícios físicos formais em academias, não serão atletas, nem apenas jogarão algum desporto ou praticarão brincadeiras e recreações em grupo. Então por que a formação escolar não foca nas atividades que serão a base da vida adulta ativa?

E o que dizer dos cursos em congressos de fins de semana e feriadões? Cursos de 4/6/8 ou 12 horas – máximo. Dá tempo de aprender, de praticar e aprender a ensinar?

Dá tempo de se dar feedbacks, de avaliar, de fazer um coaching, de saber se o cursista aplicará os aprendizados do curso com eficiência?

GARANTO que não dá tempo, ainda mais se não houver uma boa base da prática das aulas coletivas nas faculdades.

O que se pratica, nas academias, é uma espécie de tentativa e erro: poucos coordenadores especialistas que entendam de aulas coletivas para monitorar e garantir boas aulas e proprietários que não contratam consultores técnicos que realmente poderão fazer um trabalho especializado desde a seleção, treinamentos, acompanhamentos, avaliações,
feedbacks, retreinos, coaching, técnicas de atendimento e de relações humanas, dentre muitas outras questões.

Não existe mágica!

Um agravante, por falta de uma melhor formação e informação, é que algumas aulas coletivas se tornaram complexas demais não conseguindo atingir as expectativas e necessidades da maioria dos alunos principalmente iniciantes. Mas
quem identifica e corrige essa falha?

Estamos vivendo problemas sérios de retenção por conta de muitas avaliações e prescrições tecnicistas de exercícios complexos. Muitos se perguntam: Por que houve um desaparecimento, quase extinção, dos professores de aulas coletivas?

Um professor de coletivas precisa ter muitas outras habilidades e competências, além de um tempo maior de dedicação para treinamentos em detrimento de outras atividades. Em paralelo aconteceu um fenômeno e que ainda é crescente – o de se abaixar demais a remuneração desses profissionais se comparado à horaaula de um personal trainer.

Percebem? Estamos falando de grana! As academias fomentaram através das relações personal X taxas, uma renda extra para elas, estimulando que os profissionais venham a ser praticamente prestadores de serviço, sem o menor interesse na formação, treinamento e qualidade desses profissionais.

Conheço profissionais de aulas coletivas que já ministram aulas há anos e por sua competência ganham muito bem e muito acima da média, que hoje realmente é uma mediocridade. Muitos ganham muito mais ministrando aulas coletivas, com muito mais prazer e estabilidade do que “personais”. Mas estes são raros hoje em dia. Estes foram valorizados
e reconhecidos bem antes desses modismos “low cost” para tudo, inclusive nos salários. Alguns destes, hoje em dia, inovaram novamente e estão se diferenciando com as aulas “small groups”, principalmente por terem conhecimento e expertise em aulas coletivas. Percebem? Aulas em GRUPOS PEQUENOS, mas aulas em grupos, mais personalizadas, sem precisar que sejam individualizadas. É uma grande diferença! E assim continuam ganhando mais!

As academias médias e grandes se preocupam mais com suas arquiteturas lindas, aparelhagens caras, luzes, neon, mármores, “esteiras que falam”, aparelhagens novas todo ano, manutenções caras… Tudo lindo! Mas poucas se preocupam com o constante treinamento dos profissionais. E o que acontece de pior é que tem professor ainda “dando aula” no tempo da pedra. Aprendeu errado e continua fazendo errado… E quem corrige? Quem treina? Quem monitora?

Vejo muitas academias dando “tiros no pé”. O custo de implantação e de manutenção dos materiais e acessórios de uma sala de ginástica inteira, com um excelente professor muito bem pago é infinitamente mais barato do que o valor de algumas poucas máquinas de última geração na musculação. Basta fazer uma conta simples: um professor excelente e bem pago, usando materiais duráveis e simples numa sala de ginástica para cada 20 a 30 alunos felizes e satisfeitos por hora VERSUS 2 alunos, no máximo, numa única esteira de mais R$ 20.000 por hora. Quantas esteiras precisarão? O que é infinitamente mais caro?

Imaginem 2 alunos, cada um caminhando ou correndo meia hora numa única esteira caríssima ou 30 alunos fazendo uma aula de jump ou step com um professor excelente. Qual situação terá maior chance de retenção, de se montar um grupo de amigos, de sentirem mais vibração e mais motivação?

Conheço alunos de aulas coletivas que acompanham professores por 10, 15 ou mais anos nessas aulas. Não vejo o mesmo acontecer na musculação ou com personais, são raros.

O prazer da coletividade, de estar em grupo, de pertencer a uma tribo não acabou! Está dentro das pessoas! Está no nosso DNA!

Precisamos de um novo paradigma, reinventar, recriar, inovar, ir além e voltar às boas origens.

Precisamos recrutar, selecionar e capacitar melhor os professores com treinamentos especiais em fitness coletivo. Não adianta só contratar de “orelhada”, pelo famoso “Q.I.”. Precisamos treinar e acompanhar. Precisamos estruturar um plano de carreira e investirmos muito tempo em treinamento, capacitando novos talentos profissionais que possam
merecer uma excelente remuneração. Fazer isso sai infinitamente mais barato do que comprar toda hora uma esteira nova e cara. Mas isso dá trabalho, e muitos não querem sair da zona de conforto. Basta passar o cartão de crédito e comprar aparelhagens prontas do que investir no profissional e no ser humano.

Outra questão estranha que parece que virou moda: parece que alguém escreveu como regra em algum lugar que os estagiários só atendem e aprendem na MUSCULAÇÃO! Por que não se colocam estagiários nas aulas coletivas para formar novos professores e substitutos? Por que estagiários não se dedicam pra valer em todos os setores de uma academia? Parece que é mais difícil organizar, monitorar, ensinar e acompanhar. Então é melhor ter estagiários compondo uma mão de obra barata “encostados” na musculação. O barato e o mais fácil saem caro. As academias estão pagando esse preço e muitas nem se dão conta disso.

Poucos percebem, mas hoje, ter aparelhos caros e modernos na musculação é commodity. Basta ter dinheiro e comprar. O pior é que essa prática não determina poder praticar um aumento no seu ticket médio por ter mais e novas aparelhagens modernas e caras, pelo contrário.

Estamos vendo diversas redes de academias low cost com aparelhagens e instalações excelentes com preços baixíssimos. Eles podem comprar em grandes quantidades, fechadas em containers importados. Quem vai competir nessa área? E qual diferencial há em aparelhagens tops de linha das marcas A, B ou C? Mas, com certeza há um grande diferencial no treinamento, atendimento e nas competências profissionais e humanas.

Você consegue imaginar a Disney só com brinquedos tecnológicos e modernos, sem os personagens, sem os profissionais operando as máquinas escondidos, em um parque de diversão tipo “self service”, onde você brinca sozinho, sem atendimento, sem emoção, sem segurança, mas muito mais barato? E, tudo bem, se você quiser, poderá levar seu “Personal Mickey Mouse” pagando mais para brincar com você. Todos dentro do parque terão seus próprios personagens contratados e brincando individualmente com seus clientes… Conseguem imaginar isso?

Horrível, não? A Disney vende emoção, experiência, imaginação, inovação, magia! Aposta no atendimento, no treinamento, no carisma, no diferencial, no calor humano, na festa com anfitriões.

Entendam que ministrar uma aula de ginástica coletiva é uma ARTE! É mais do que saber treinamentos, prescrever exercícios e séries, periodização, músculos, biomecânica, anatomia e fisiologia. Isto tudo também é commodity hoje em dia, essas informações podem ser encontradas nos livros técnicos e científicos. Qualquer leigo encontra isso até
no Google, Youtube e afins.

Academia de ginástica boa é feita de gente, de buxixo, de música e de movimentos variados.

Precisamos de calor humano esquentando as nossas aulas! As pessoas querem e gostam de aulas coletivas. Faz parte de sua espécie, dos genes, da cultura do ser humano.

A ginástica coletiva está viva no mundo todo! Parece que aqui no Brasil, nos grandes centros, estamos passando por uma ONDA PARALIZANTE através de uma “moda virulenta” que parece ser uma tendência, mas é apenas um nicho e que vai saturar. Quem vai sair na frente são os que perceberem onde estão as oportunidade de realmente poderem FAZER DIFERENTE, voltando às boas origens com novas técnicas de captação e valorização dos profissionais, com formação, treinamentos, coaching e relações humanas.

É possível, eu acredito!