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Alongar ou aquecer?

Colunista: Mauro Guiselini

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Uma discussão muito frequente entre os Profissionais de Educação Física que trabalham como professores de aulas coletivas, de musculação e treinamento personalizado, diz respeito à grande dúvida: o que fazer primeiro, alongar ou aquecer? Esta pergunta é motivo de muita discussão, controvérsia e realmente, para muitos, uma grande dúvida! A resposta envolve, portanto, aspectos fisiológicos e pedagógicos, ou seja, conceitos com fundamentos na fisiologia, biomecânica e pedagogia – o processo ensino aprendizagem utilizado nas sessões de treino.

Um tema bastante vasto como este não é possível ser esgotado neste artigo; assim sendo, vamos abordar os principias aspectos que, provavelmente, irão ajudar a esclarecer alguns pontos importantes para ajudá-los a compreender melhor o tema em questão.

Aquecimento ou preparação para o movimento

O termo “aquecimento” é, desde há muito tempo, utilizado para identificar uma fase importante de uma aula, sessão de treino ou mesmo durante uma competição esportiva. Mais recentemente, alguns especialistas têm utilizado o termo “preparação para o movimento” ao invés de aquecimento. Não é motivo deste artigo discutir qual é o termo mais adequado, pois ambos têm o mesmo propósito; o que observamos é uma mudança na forma pedagógica de organizar esta fase da sessão de treino.

O aquecimento traz diversas vantagens: maior fluxo de sangue para os músculos (maior disponibilidade de oxigênio), facilitação das reações bioquímicas musculares e da transmissão dos impulsos nervosos, diminuição da viscosidade intramuscular e do líquido sinovial (melhor deslizamento das fibras musculares e funcionamento das articulações), aumenta a entrega de oxigênio e substratos para os músculos em ação enquanto remove os produtos de excreção, e a liberação de oxigênio, hemoglobina e da mioglobina. O alongamento faz parte do aquecimento, mas não o substitui (Barbanti, 2010).

Compreendendo o conceito de flexibilidade e mobilidade

Professores, preparadores físicos e técnicos frequentemente confundem o conceito do desenvolvimento da flexibilidade e aquecimento. No entanto, a flexibilidade é uma capacidade biomotora importante para a prevenção de lesões no longo prazo; trabalhar a flexibilidade estática não é importante ou mesmo necessário no aquecimento e pode, inclusive, ser contraproducente, muito embora, na literatura, encontremos profissionais que a utilizem no início da sessão de treinamento.

Foto 1. Aula de flexibilidade e mobilidade como professor Mauro Guiselini

Segundo a NASM (2012), a flexibilidade pode ser simplesmente descrita como a capacidade de movimentar a articulação em um completo ângulo de movimento – amplitude de movimento (AM). A amplitude de movimento de uma articulação é determinada pela extensibilidade normal de todos os tecidos moles que a circundam.

Para Barbanti (2010), a flexibilidade é uma propriedade intrínseca dos tecidos moles do corpo que determinam a amplitude de movimento conseguida em uma articulação ou em um grupo delas, ou seja, da viscoelasticidade dos músculos, ligamentos e outros tecidos.

Flexibilidade, para Boyle (2010), é a amplitude de movimento ao redor de uma articulação e a mobilidade é o quão bem os movimentos articulares são realizados. A amplitude de movimento pode ser limitada tanto pela inflexibilidade ou pela mobilidade pouco desenvolvida.

Aeberg (2007) utiliza a palavra mobilidade para descrever o grau de movimento articular, independentemente do plano específico ou de ações conjuntas. Mobilidade ativa é o grau de movimento da articulação produzida a partir de forças geradas dentro do corpo através de uma ação voluntária ou reflexa do músculo.

A flexibilidade, de acordo com Zakharov e Gomes (2003), é uma capacidade física do organismo humano que condiciona a obtenção de grande amplitude de movimento durante a execução dos movimentos. Examinando as manifestações concretas da flexibilidade em uma determinada articulação, emprega-se frequentemente o termo “mobilidade”, subtendendo-se, com isto, o deslocamento de uma parte da articulação em relação à outra.

Para Signorile (2011), a flexibilidade pode ser tanto estática ou dinâmica. A flexibilidade estática é o ponto máximo (final) da amplitude de movimento de uma articulação específica ou uma série de articulações. Em termos práticos, ela é medida no ponto de maior alcance que o cliente pode ter durante um alongamento, enquanto se move lentamente até o ponto final – amplitude de movimento – e então, se mantém na posição por um tempo específico (geralmente poucos segundos).

 Tipicamente, a flexibilidade estática é avaliada por meio de testes tais como “sentar e alcançar”. Flexibilidade dinâmica, em contraste, é uma medida de quanto um cliente pode alongar enquanto se move a uma velocidade moderada a rápida até o fim da sua amplitude de movimento (Signorile, 2011).

A avaliação da flexibilidade é realizada por meio de testes específicos que, na sua grande maioria, avaliam uma articulação específica e respectivos grupos musculares envolvidos na amplitude de movimento. Recomendamos a leitura dos autores Clark e Lucet (2011), Kendall et al (2007),  Brumit (2010), Kokkonen e Nelson (2007).

O conceito de MOSTABILITY

Para melhor compreender o papel da flexibilidade no movimento, segundo Gambetta (2010), é útil pensar em termos do conceito de mostability. O conceito de mostability (sem tradução para o português) é um termo utilizado pelo fisioterapeuta Gary Gray que descreve a função flexibilidade.

Mostability é movimento com estabilidade.  É a quantidade correta de movimento, na articulação correta, no plano correto e no tempo correto. O desenvolvimento da flexibilidade exige uma abordagem eclética aplicando o que tem sido utilizado há anos nas artes marciais, dança, yoga, tai chi e terapias físicas (Gambetta, 2010).

Para Schneider et al (1995) mobilidade é a capacidade para executar movimentos dentro de grande amplitude de movimentação. Ela é um dos cinco elementos básicos que determinam a performance física do indivíduo e pode ser dividida em dois componentes: flexibilidade e capacidade de extensão.

A flexibilidade é uma característica das articulações e dos discos, enquanto a extensibilidade depende dos músculos, dos tendões, dos ligamentos e das capsulas articulares.

Figura 1. Componentes da mobilidade

A flexibilidade, de acordo com Kisner & Colby (2009), pode ser definida como a capacidade de movimentar suas articulações com liberdade, sem dor, com grande amplitude de movimento e a mobilidade como a capacidade das estruturas ou segmentos do corpo de se moverem (ativo) ou serem movidos (passivo) de modo a permitir a ocorrência da adequada amplitude de movimento (ADM) para as atividades funcionais (ADM funcional).

Considerando os conceitos utilizados na literatura, adotamos, para a prescrição do treinamento, a união dos dois conceitos: flexibilidade + mobilidade, uma vez que, na prática, ambos ocorrem simultaneamente.

Alongamento

Existe muita confusão entre os conceitos de flexibilidade e alongamento; flexibilidade é uma capacidade biomotora e alongamento é o nome dado a diferentes técnicas de movimento que, entre vários objetivos, é utilizada para desenvolver a flexibilidade.  Vamos conhecer o seu significado:

Do inglês stretching, é uma técnica pela qual se desenvolve a flexibilidade. Alongar significa estender, e isto é possível pela propriedade de elasticidade dos músculos (Barbanti, 2010).

A literatura trata de alongamento ativo e alongamento passivo. O alongamento ativo é aquela situação em que se alcança maior amplitude de movimento pela atividade muscular, sem auxílio externo. O alongamento passivo normalmente envolve uma força externa de um parceiro para alongar o grupo muscular.

Figura 2. Alongamento passivo estático e alongamento ativo

Já o alongamento balístico (ou dinâmico) é um alongamento produzido por um balanceamento (ou insistência) de um segmento corpóreo (Barbanti, 2010)

Segundo Kovacs (2010) existem três principais tipos de alongamento que podem ser realizados antes das atividades esportivas: estático, dinâmico e balístico.

Alongamento estático

Refere-se à técnica de alongamento de um grupo muscular em que se move uma articulação lentamente (fase dinâmica) até a sua amplitude máxima de movimento e esta posição é mantida durante certo tempo (fase estática), ou seja, consiste em alongar o grupo muscular até uma posição e mantê-lo nesta posição por vários segundos (de 15 segundos a 5 minutos), antes de retornar à posição inicial (Barbanti, 2010, Kovacs, 2010).

Alongamento dinâmico ou balístico

É um alongamento produzido por um balanceamento (ou insistência) de um segmento corpóreo, segundo Barbanti, 2010. Segundo Kovacs (2010), é um exercício específico de alongamento funcional que deve ser utilizado para preparar o corpo para atividades cotidianas ou esportivas. O alongamento dinâmico é focado nos padrões de movimento que requerem uma combinação de músculos, articulações e planos de movimento, enquanto o alongamento estático geralmente se concentra em um único grupo muscular, um plano de movimento articular.

Foto 2. Alongamento ativo estático autotração

No alongamento ativo estático autotração, o aluno realiza o movimento para o grupo muscular alvo com a autotração para aumentar a amplitude de movimento. Este procedimento pode ser feito somente com as mãos ou com auxílio de acessórios (banda elástica, toalha, corda) tracionando o segmento, mantendo-o na posição estática por um determinado tempo (GUISELINI, 2019)

Para Kovacs (2010), o alongamento balístico envolve ações musculares que usam um movimento balístico (insistência) para aumentar a amplitude de movimento sem manter a posição de alongamento na posição final. Esta técnica, pelo fato de eliciar o reflexo de alongamento, não tem sido recomendada para ser utilizada como componente do aquecimento para indivíduos destreinados, sem experiências anteriores ou com histórico de lesões na coluna lombar ou nos músculos posteriores da coxa. 

Sem dúvida, esta preocupação é válida, sobretudo no caso de pessoas sedentárias ou pouco destreinadas, como citado pelo referido autor, mas, no caso dos esportistas, ela é descabida, pois esta forma de alongamento é muito mais controlada e menos exigente que a maioria dos movimentos esportivos. Portanto é muito menos perigosa que a própria prática do esporte, se, claro, for realizada de forma apropriada, não de forma agressiva (Barbanti, 2010).

O alongamento estático é recomendado?

Alguns autores dizem que os alongamentos estáticos antes do aquecimento ou do treino/competição não são recomendados porque os músculos estão frios e menos elásticos, além de prejudicar a coordenação e causar cansaço. Vários estudos mostraram que o alongamento estático intenso traz como consequência um menor rendimento de força rápida, e esta influência negativa permanece por certo período após o alongamento (assunto polêmico!).

Apesar das evidências nos anos 1960, de que o alongamento estático antes das atividades não aumenta a velocidade de movimento, nem propicia os benefícios das atividades dinâmicas, entre outras descobertas, o alongamento estático tem sido uma prática comum, como componente do aquecimento utilizado por muitos professores, preparadores físicos e pessoas comuns. Alongar, de forma estática, o quadríceps, gastrocnêmio, tríceps, peitoral, é muito comum nas pistas, parques, praças, salas de musculação, aulas de ginástica em grupo – step, jump, bike class, hidroginástica, enfim para qualquer tipo de exercício físico.

Figura 3. Exemplos de alongamento ativo estático e de autotração

No entanto, contrário ao crédito popular que o alongamento estático é uma boa alternativa para aquecer ou que aumenta a performance, existem numerosos estudos que demonstram que o alongamento estático tem efeitos reversos. Ele pode diminuir o desempenho na força, velocidade e atividades de potência. Os saltos em profundidade, os quais são excelentes práticas para melhorar a potência, tem uma redução significativa no desempenho quando realizados após o alongamento estático. As pesquisas que estudam o desempenho da força e potência em seguida ao alongamento estático têm demonstrado uma diminuição de até 30% (Smith, 1994, Nelson et al, 2001, Nelson et al, 2005, Comeau, 2004).

Outra razão para muitos utilizarem o alongamento estático na fase de aquecimento é o fato de acreditarem que ele pode prevenir lesões nos músculos e tendões. No entanto, pesquisas recentes indicam que o alongamento estático antes de um treino ou jogo/competição não apenas tem um benefício mínimo para a prevenção de lesões, como também aumenta a chance de ter um rendimento prejudicado.

As causas das lesões nas atividades cotidianas e esportivas são múltiplas, a flexibilidade é somente uma capacidade que pode, provavelmente, reduzir as probabilidades de lesões. Fadiga e volume de exercício têm sido indicados como fatores que predispõe às lesões musculares.

Considerações finais

Conforme abordado, é importante compreender os conceitos de aquecimento, flexibilidade/mobilidade e técnicas de alongamento e como são utilizados na elaboração do aquecimento. Isto significa que as técnicas de alongamento fazem parte integrante do aquecimento. A escolha da técnica é de responsabilidade do profissional condutor da sessão, lembrando que não é objetivo específico da fase de aquecimento o ganho significante da flexibilidade/mobilidade; estas capacidades biomotoras são desenvolvidas, de forma específica, em outra fase da aula.

Referências bibliográficas

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