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O inegociável

Colunista: Thiago Villaça

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Era uma quinta-feira, quando o estagiário me chamou para conversar a respeito da viagem que faria com a família no dia seguinte. O horário de trabalho dele era das 17h às 21h e, para conseguir viajar com a família, ele precisaria colocar alguém no lugar dele.

A equipe aqui do estúdio é enxuta, são quatro estudantes de nutrição, três professores, meu sócio Leandro (que é nutricionista e profissional de educação física) e eu (educador físico). A equipe de nutrição, com a supervisão do Leandro, fica responsável, além das questões técnicas como prescrição de planejamento alimentar e avaliação física, pelos agendamentos, remarcações, informações a respeito do plano do cliente, marcação de aulas experimentais, filmagem das aulas, postagem nas redes sociais, envio dos vídeos para os clientes, monitoramento de clientes em baixa frequência etc. Se eu pudesse atribuir um valor, diria que 90% do trabalho dos estagiários de nutrição é operacional, 5% administrativo e 5% técnico. Não temos estagiários de Educação Física.

Perto de terminar o horário de trabalho (que é o mesmo que o meu) o estudante de nutrição me chama para conversar:

“Você vê problema – começou ele – de, nesta sexta-feira, o meu horário ficar sem ninguém uma vez que (1) a noite o movimento é menor, (2) não tem agendamento na avaliação, (3) os envios de planejamento alimentar estão em dia e (4) não consegui trocar com ninguém porque ficou em cima da hor…”

Não deu nem tempo de ele terminar, e um cliente que tinha acabado de treinar queria saber se haveria a possibilidade de agendar a reavaliação física dele (que estava vencida há duas semanas) para sexta à noite (horário que o estagiário estava tentando barganhar comigo).

Enquanto eu agendava o cliente para o horário que ele queria, me lembrei da época que fazia estágio, dos valores que me ensinaram em casa e que pude colocar em prática na minha formação acadêmica, do que o meu gestor falaria para mim se fosse eu quem estivesse pedindo para faltar no dia seguinte, do que eu considerava inegociável do ponto de vista de um profissional em formação, e do que eu estaria abrindo mão se permitisse ele faltar. 

Eu respirei fundo, controlei o ódio, pedi para ele se sentar e disse:

“Na sua idade, e exatamente no seu cargo, eu estava lutando para mostrar para o meu gestor porque ele deveria me contratar, porque era indispensável para equipe e porque eu deveria ser contratado sem dar margem para qualquer dúvida. Na minha época de estágio, estava mostrando para o meu gestor o motivo pelo qual eu era indispensável. Eu considerava o estágio uma oportunidade única para mostrar do que era capaz, minhas qualidades, meu comprometimento e tudo que fosse necessário para ser contratado. Tratava o meu estágio como se a minha vida profissional dependesse dele (e realmente dependia). Você me deu quatro argumentos que são o contrário de tudo que esperava ouvir. Na verdade, você me deu todos os argumentos que preciso para não contratar você. Principalmente quando existem clientes com a avaliação vencida e que estão sendo negligenciados por você, uma vez que é sua responsabilidade manter as reavaliações em dia. Agora o cliente está agendado para o seu horário, amanhã a noite, e você não vai poder estar aqui, ou vai?”

Óbvio que ele não teve palavras para rebater o que acabara de ouvir, pelo menos não em relação a responder a minha pergunta. O problema foi que ele “quis entrar numa comigo” de que estava exagerando e que não era para eu ver a solicitação e os argumentos dele (se ausentar para viajar) como uma prova que poderia ser usada por mim, para dispensá-lo.

Seria melhor, para ele, querer debater comigo o motivo pelo qual eu agendei o cliente para o horário que eu sabia que não haveria avaliador disponível, mas não! Ele quis debater comigo a legitimidade do que eu acreditava, queria que eu repensasse a forma como fui educado, treinado e condicionado a pensar. Por um lado, isso é bom, mas por outro, é terrível! Se um profissional em formação não consegue entender que os argumentos que ele usa para faltar servem para o gestor entender que ele é desnecessário, é porque ele mesmo não se considera essencial!

“Primeiro você mostra o porquê a equipe e o gestor precisam de você, depois você mostra a falta que faz quando a necessidade exige, mas nunca o contrário – comentei -ou você é maluco suficiente para “mostrar” para o seu gestor e a para a sua equipe que “tanto faz” você ali, ou não?”

Óbvio que, depois dessa, não teve mais clima para ele continuar e eu tive que reagendar a avaliação do cliente. Mas a lição que fica é que cada vez mais, nós gestores, vamos, para esta geração, precisar estabelecer o que é inegociável, dentro daquilo que acreditamos. Cada vez mais, nós gestores, vamos precisar enxergar quando vamos renunciar àquilo que a gente acredita para permitir ou proibir algum comportamento específico. A família (ou os valores familiares, a educação familiar) já abdicou deste papel, isso é fato! Cabe a nós sermos educadores desta geração e, o sentimento que eu tenho é de desespero. Do tipo “quem vai desistir primeiro, nós ou eles?”

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