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Competências profissionais em cenários complexos

Colunista: Edvaldo de Farias

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Não há mais dúvidas quanto ao fato de que investir na capacitação profissional – entenda-se treinamento & desenvolvimento (T&D) – a partir do contexto de mudanças que caracteriza os negócios em serviços e, sendo assim, esse tipo de investimento torna-se condição essencial ao anseio por competitividade e diferenciação num mercado globalizado econômica e tecnologicamente.

Por outro lado, as demandas por uma qualidade crescente e diferenciada dos profissionais nas empresas se alteraram de tal modo que hoje, agilidade na comunicação, qualidade nos relacionamentos e conhecimento abrangente tornaram-se vantagens competitivas mais poderosas que o próprio capital financeiro.

Com isso, podemos afirmar que todo e qualquer programa, seja de formação ou treinamento profissional, demanda nos dias de hoje uma reflexão profunda dos gestores e profissionais em geral, em relação a uma demanda crescente, a qual denominamos ampliação e empoderamento de competências, nas empresas prestadoras de serviços em centros de fitness.

O conceito de competência

Conceitualmente, podemos adotar, para efeito da abordagem que aqui apresentamos, o conceito proposto por Esteves (2016) que devidamente adaptado a esse contexto define competências como sendo um certo número de traços particularizáveis em um perfil profissional, de diferentes características, evidenciados nas suas ações, que podem ser observados e descritos no dia-a-dia do seu trabalho, sem que necessariamente se lhes tenha que atribuir um valor, mas que são necessários para um exercício profissional assertivo.

Assim, no contexto que caracteriza a contemporaneidade, desenvolver competências não é mais sinônimo da tradicional “capacitação para realizar tarefas” e, por isso mesmo, seu desenvolvimento passou a ser resultante de uma complexa articulação em rede de múltiplos conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais à prestação de serviços de modo cada vez mais qualificado, que cria, por força de consequência, diferenciais competitivos e um posicionamento mercadológico diferenciado.

Tomando como base o que já afirmavam Guillon; Mirshawka (1998); Lastres (1999); Sveiby (2000); Deffune; Depresbiteris (2002), há sinais no mercado de trabalho contemporâneo de novas formas de pensar o desenvolvimento profissional, pautado em outros paradigmas, onde valores como ética, empregabilidade, respeito, flexibilidade, visão de negócio, pensamento estratégico e autoempreendimento são vistos como necessários à manutenção da saúde, tanto das empresas quanto das carreiras de seus colaboradores.

Embora isso não seja exatamente uma novidade, observa-se hoje, no contexto das empresas fitness & wellness, uma ênfase, no máximo, no desenvolvimento de competências técnicas em seus programas de treinamento profissional, quando existem, representando o entendimento de que são elas as únicas responsáveis por entregas de qualidade aos seus clientes.

Este modelo, ligado a um modelo mental taylorista de administração, define a especialização técnica como responsável pela modelagem das ações e comportamentos profissionais, divididos categoricamente entre “executantes” e “pensantes”.

O espectro de competências profissionais

Nessa perspectiva, os programas de treinamento profissional eram vistos, como propunha Milkovich (2000) apenas sob a perspectiva de resolver problemas de desempenho nas tarefas específicas, seja de preparação ou de reparação (treinamento técnico-operacional), ou ainda para resolver problemas de relacionamento interno no contexto do trabalho (treinamento comportamental), além da formação gerencial (cargos gerenciais) ou de integração (novos colaboradores).

Essa visão, exclusivamente orientada mais à tarefa do que às pessoas, contraria frontalmente a denominada Era do Conhecimento, descrita por Gramigna (2007) como o “momento do triunfo do talento e potenciais humanos”.

Dessa forma, e considerando que, na verdade, o que existe é uma dinâmica multifatorial centrada na complexidade das relações de consumo entre os centros de fitness & wellness e seus clientes, onde nelas o profissional é o grande responsável pela entrega objetiva daquilo que oferecem, propomos aqui uma perspectiva diferenciada, a que denominamos de espectro de competências.

Assumimos, portanto, ao propor este espectro, e parafraseando Netto (2018) que os negócios em fitness & wellness caracterizam-se não pelas modalidades, recursos, ambientes, tecnologias e equipamentos envolvidos, mas sim num negócio de pessoas, com pessoas e para pessoas.

Assim, o espectro que descrevemos a seguir, e no qual não há qualquer hierarquia de valor, contempla diferentes dimensões do fator humano como fator medular da prestação desses serviços, de tal modo que é na síntese delas, e não apenas em uma ou outra competência, que um serviço é percebido como “de qualidade” por aqueles que desejam mais do que simplesmente esforço, suor e estética, mas sim agregar valor às suas vidas a partir da compra de algo significante e que lhe faça sentido.

Competência Técnica

Indiscutivelmente, dentre as competências essenciais para uma ação profissional de excelência, destacamos a competência técnica, priorizada na grande maioria dos programas de treinamento profissional em centros de fitness & wellness, exatamente por produzir capacidade de intervenção profissional consistente mediante escolhas e decisões embasadas por conhecimento estruturado, e aplicável a cada circunstância específica.

Desenvolver esta competência significa levar as pessoas a resolver problemas pontuais ou sistêmicos, na solução ou prevenção deles, gerando resultados concretos frente às demandas que se apresentem ao profissional.

Assim, encontramos unanimidade entre Deffune; Depresbiteris (2002), Terra (2000), Barley (1998) e Stewart (1997) quando afirmam que a sociedade do conhecimento depende muito mais da competência de saber utilizar toda a quantidade de informação disponível, do que a simples habilidade de saber usar modernidades tecnológicas disponíveis, deixando evidente que a diferenciação competitiva, seja entre pessoas ou empresas, se dá muito mais pelo fator humano devidamente qualificado do que pelos recursos que ele constrói e/ou manipula para executar seu trabalho.

Competência de Gestão

De igual importância em relação às demais, esta competência pode ser descrita pela capacidade de organizar o trabalho com base na simplicidade e objetividade, sem perda do foco nos resultados esperados e, portanto, em sintonia com os negócios da empresa. Além disso, descreve-se como capacidade de construir métodos e procedimentos próprios, eficientes e eficazes, para planejar, executar, controlar e avaliar processos de trabalho nos quais está envolvido.

Além disso, essa competência contempla a capacidade de gerenciar seu próprio tempo de trabalho com base no binômio responsabilidade x prazer, de tal forma que, otimizando atividades e suprimindo tarefas desnecessárias ao pleno desempenho da empresa, produza resultados para o negócio preservando a autonomia de colaboradores e sinergia de suas ações e talentos.

Assim, e diferentemente da perspectiva taylorista-fordista, onde planejamento e execução do trabalho pertenciam a esferas diferentes, na gestão contemporânea, o profissional abandona a condição de mero executor em favor do papel de repositório do capital intelectual da empresa, exigindo assim, o desenvolvimento dessa competência na medida em que torna-se imprescindível estabelecer relações de consumo significativas e geradoras de valor, tanto para quem presta o serviço como também para quem paga por ele, o que exige uma competência para além da execução (SVEIBY, 2000).

Competência Relacional

Tão importante como as anteriores, é imprescindível que esta competência também seja desenvolvida em programas de treinamento empresarial, na medida em que responde pela dimensão subjetiva da interface clientes-prestadores de serviços nas relações de consumo.

Esta competência é requisitada em situações profissionais do tipo: saber ouvir de modo receptivo a antagonismos de ideias; respeitar individualidades e diferenças sobretudo nas negociações; comunicar-se com clareza e transparência nos diferentes níveis e dimensões dos negócios, dialogar com disponibilidade para considerar a perspectiva do outro, negociar e argumentar em bases éticas e respeitosas, buscando sempre soluções pautadas na empatia e respeito mútuos, sem perder de vista o negócio no qual tudo isso acontece.

A necessidade de desenvolvimento dessa competência parte da premissa de que, sendo as pessoas os únicos e verdadeiros diferenciais de uma empresa (SVEYBY, 2000), é relevante considerar que visando uma atuação de excelência, é preciso preparar pessoas para lidar com pessoas, condição essencial à existência dos negócios em fitness & wellness.

Competência Social

Por relacionar-se diretamente aos conceitos de civilidade e cidadania, em seus sentidos mais amplos, esta competência pode ser descrita pela capacidade de buscar propósito, relevância, legado social em cada ação e intervenção profissional. Essa competência expressa, assim, a necessidade de perceber seu papel no mundo e na sociedade na qual está inserido, priorizando não apenas as demandas pontuais das organizações e pessoas individualmente, mas sim de construir numa geração um legado positivo para as próximas, por meio das ações profissionais no aqui e agora.

Além disso, esta competência representa a necessidade do profissional de assumir seu papel de catalisador, inspirador e incentivador de um novo estilo de vida dos seus clientes, tomando para si a responsabilidade de aplicar seus saberes ao dia-a-dia deles, fazendo com que toda e qualquer ação profissional seja, antes de tudo, uma ação social que agrega valor tanto à própria vida quanto a daqueles aos quais presta seus serviços.

Assim, abordar essa competência em programas de treinamento empresarial cria sintonia com as tendências globais da criação de “empresas cidadãs”, conceito que abordamos no artigo da edição 86, nas quais atuam profissionais cuja postura seja “socialmente correta”, e que no caso das empresas fitness, está diretamente relacionada à gerar promoção da saúde das pessoas em um sentido biopsicossocial, viabilizada por efetivos interventores sociais.

Competência Emocional

Por derradeiro, mas de modo algum subtraindo relevância frente às anteriores, conceituamos esta competência como a capacidade de transitar pela dimensão subjetiva da natureza humana, as emoções, considerando-a como ingrediente das relações de consumo nas quais está inserido e que, nas nossas empresas fitness & wellness, traduz-se pelos componentes de natureza intra e interpessoais que integram essa relação.

Assim, ser capaz de lidar e gerenciar as emoções não só de clientes, mas de todos os stakeholders envolvidos nessa relação de prestação de serviços, passa a ser um componente indissociável do perfil profissional no mundo contemporâneo neste segmento, de tal forma que ser capacitado para utilizá-la no seu cotidiano torna-se pré-requisito para uma atuação de qualidade e diferenciada.

É importante observar que, do ponto de visa dos clientes, ser atendido por um profissional “competente emocionalmente” representa, em última análise, ter alguém que contribui para a construção de um estado de bem-estar e qualidade de vida positivos, objetivo primeiro da grande maioria das pessoas que consomem serviços em fitness & wellness.

Assim, atribuímos à competência emocional o valor de componente estrutural na busca da qualidade em serviços dessas empresas pela via do investimento nas pessoas, e assim o fazemos por entender que há uma necessidade concreta: a aquisição de competências duráveis e capazes de fazer evoluir positivamente a qualidade desses serviços em um ciclo de melhoria contínua.

Conclusão

Diante dessas breves descrições, e tomando como base a ideia de que envolvimento, compromisso e sintonia de propósitos são fatores essenciais a um relacionamento de excelência entre profissionais e deles com seus clientes nesse segmento de negócios, é fácil compreender o destaque que atribuímos à necessidade imperativa de investimento maciço e constante em capacitação profissional por toda e qualquer empresa, sobretudo naquelas que se pretendem competitivas e diferenciadas pela qualidade de seus stakeholders.

Em síntese, podemos afirmar alinhamento à premissa de diversos autores (Carvalho, 1997; Oliveira, 1997; Le Bortef, 2001; Chiavenato, 2010; Esteves, 2016) que, ao longo do tempo, destacaram a imperativa e imediata necessidade de mudança no foco nos programas de formação e treinamento profissional, na direção de uma ampliação de sua abordagem daquilo que constitui o que usualmente é chamado de perfil do egresso nas universidades ou perfil profissional nas organizações.

Em ambos os casos, infelizmente, o que assistimos ainda de forma hegemônica é o investimento de muito tempo e recursos destinados a informar e abordar apenas conteúdos inerentes às competências técnicas, acreditando que apenas essa dimensão dá conta da complexidade da prestação de serviços e relações de trabalho no mundo contemporâneo.

Diferentemente disso, é fato que as subjetividades nas relações de consumo são, cada vez mais, determinantes nas escolhas dos consumidores, que buscam não somente um consumo, mas sim uma experiência que seja significante e agregue valor às suas vidas.

Dessa forma, e na perspectiva de oferecer uma proposta diferenciada para os programas de formação e treinamento profissional, propusemos aqui a composição de novos portfólios profissionais para atuar no âmbito do fitness & wellness e, com isso, esperamos ter contribuído para esta necessária e contemporânea reflexão.

Referências

BARLEY, S. R. The Tur to Horizontal Division of Labor: On the Occupationalization of Firms and the Technization of Work. North American Education Department, USA: 1998.

CARVALHO, L. C. F. Educação para o Trabalho: Novas Exigências de Aprendizagem. In: CASALI, A. RIOS, I.; TEIXEIRA, J. E.; CORTELLA, M. S. Empregabilidade e Educação. SP: EDUC, 1997.

CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas. 3ª. ed. RJ: Elsevier, 2010.

DEFFUNE, D.; DEPRESBITERIS, L. Competências, Habilidades e Currículos de Educação Profissional. SP: SENAC, 2002.

ESTEVES, Manuela. Construção e desenvolvimento das competências profissionais dos professores. Sísifo, n. 8, p. 37-48/EN 33-44, 2016.

GRAMIGNA, M. R. Modelo de Competências e Gestão dos Talentos. SP: Pearson Prentice Hall, 2007.

GUILLON, A. B. B.; MIRSHAWKA, V. Reeducação, Qualidade, Produtividade e Criatividade: Os Caminhos para a Escola Excelente do Séc. XXI. SP: Makron Books, 1998.

LASTRES, H.M.M.; ALBAGLI, S. Informação e globalização na era do conhecimento. RJ: Campus, 1999.

MILKOVICH, G. T. Administração de Recursos Humanos: Treinamento. SP: Atlas, 2000.

NETTO, E. S. O Mercado do Fitness e as Transformações: Encontro Acqua. Unidade Shopping da Gávea: Rede Bodytech, 15 set. 2018. Palestra Corporativa.

OLIVEIRA, M. Energia Emocional: Base para Gerência Eficaz. SP: Makron Books, 1997.

STEWART, T. A. Capital Intelectual: A Nova Vantagem Competitiva das Empresas. RJ: Campus, 1998.

SVEIBY, K. E. A Nova Riqueza das Organizações: Gerenciando e Avaliando Patrimônios de Conhecimento. RJ: Campus, 2000.

TERRA, J. C. C. Gestão do Conhecimento: O Grande Desafio Empresarial. SP: Negócio Editora, 2000.

LE BOTERF, G. Construire les Compétences Individuelles et Collectives. Paris: Les Éditions d’Organisation, 2001.

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