Não é raro, no mundo dos negócios e na vida pessoal, que situações complexas sejam a condição necessária para que sejamos capazes de dar saltos, tanto na forma de perceber e interpretar a realidade vivida como também na busca por soluções “fora da caixa”, para usar uma expressão popularizada hoje e que tenta explicar o agir não convencional e fora de scripts, ou seja, para além do “mais do mesmo”.
E, normalmente, são as pessoas, cujo modelo mental se caracteriza por um olhar diferenciado da realidade, que nos ensinam, ou pelo menos inspiram, a pensar e agir nesse novo momento pelo qual a humanidade passa, desde que foi assolada por uma pandemia.
Nem sempre essas pessoas têm sua origem no mesmo mercado onde atuamos e fazemos negócios, mas suas percepções sobre futuros possíveis nos levam a fazer conexões, associações, links que nos levam a colocar interrogações onde, até então, colocávamos ponto final ou, no máximo, exclamação.
Assim, um posicionamento apresentado por Bill Gates muito recentemente, precisamente em novembro/2020, sobre a sua percepção em 7 aspectos sobre o futuro dos negócios e da sociedade a partir da pandemia, nos levou a algumas associações com os negócios em fitness & wellness e que, ao nosso ver, representam uma importante contribuição na busca por diferenciação mercadológica e, porque não dizer, sobrevivência dos negócios.
Longe de querer “revelar” como-será-o-futuro, Gates objetivou apenas descrever sua percepção das redefinições de trajetórias para os negócios como um todo a partir das condições observadas hoje tomando como base o comportamento das pessoas nas suas buscas, seja pelas novas possibilidades de consumo, ou mesmo por novas formas de construção da realidade. Nada mais fez este visionário empresário e filantropo do que analisar a realidade, desenhando cenários possíveis, a partir daquilo que Farias (2020) descreveu recentemente como sendo a realidade moldando e construindo o comportamento do consumidor. Se ela (a realidade) muda ele (o comportamento do consumidor) modifica-se, construindo, assim, uma nova realidade nas relações de consumo de serviços.
Dessa forma, optamos por descrevê-los separadamente em 7 tópicos, com o propósito de acompanhar a sequência original apresentada por Gates, ao mesmo tempo em que apresentamos a associação de cada um desses pontos com os negócios de nosso segmento, como forma de oferecer diretrizes de pensamento aos nossos gestores e profissionais atuantes no fitness & wellness, sem a pretensão de oferecer uma solução ou receita definitiva para essa realidade, mas apenas de contribuir para a sua compreensão e as consequentes tomadas de decisão que serão demandadas por um consumidor e suas relações de consumo bem diferentes daqueles que tínhamos antes da pandemia.
Se preferir, pode também assistir, no vídeo abaixo, à entrevista que o editor da REF&H, Leonardo Allevato, fez comigo sobre esse tema.
Decisivamente é preciso levar em conta a posição inovadora de Sinek (2020), quando afirma, ao criar o conceito de jogos finitos e infinitos, que nos negócios e na vida pessoal ainda somos limitados, e precisamos evoluir nisso, quando adotamos regras e estratégias finitas para jogos infinitos, que caracterizam o momento atual. Nela, não há vencedores, mas sim múltiplos players, de diferentes características e interesses que não podem ser a derrota do outro, mas sim, manter o jogo e se manter nele.
Como afirmou Farias (2020) no artigo anterior (edição 96), a posição apresentada por Bill Gates reforça a necessidade de sermos capazes de analisar cenários complexos, que ele fez com maestria e que aliás sempre foi sua característica desde a criação da gigante Microsoft™.
Assim, prezado(a) gestor(a), descrevemos a seguir os 7 aspectos que foram objeto de sua e que aqui buscamos uma associação com os negócios de nosso segmento fitness & wellness:
1. Reunião remotas serão normalizadas
Ao apresentar esta afirmativa, Gates associa esse novo cenário àquele que ocorreu no período de guerra mundial, onde as mulheres foram inseridas no mundo produtivo em função dos homens estarem envolvidos diretamente com a guerra. Segundo ele, uma condição adversa no mundo, indesejável é claro, levou à pergunta do “por que não?” em relação a elas serem inseridas nas unidades fabris da época.
Da mesma forma, no contexto da pandemia, quando soluções tiveram que ser pensadas a partir do distanciamento e das restrições de circulação entre as pessoas, a pergunta que se fez presente na mente dos consumidores foi: “como posso fazer para consumir este bem ou serviço?”. Nesse momento, a solução trazida pelo formato delivery inundou o mercado do consumo e boa parte das necessidades individuais ou familiares foram supridas pelas compras por canais virtuais com entregas onde quer que o consumidor estivesse. Essa dinâmica criou um novo paradigma para as relações de compra e venda e que veio para ficar, pois hoje, ainda que retomadas as atividades presenciais de muitos segmentos, a pergunta que faz parte do cotidiano do consumidor é: “eu preciso ir lá para consumir este serviço?”
Sob esse aspecto, não foi exatamente o que aconteceu com o segmento fitness & wellness, que em um primeiro momento foi fortemente resistente à prestação de serviços, assessoria e consultoria virtual, mas que percebendo essa nova modalidade de entrega como fator de sobrevivência para os negócios migrou para o ambiente virtual criando mais uma possibilidade para atender seus clientes, nas diversas fases do processo de consumo (anamnese, avaliação, prescrição, acompanhamento, orientação, execução, reavaliação) que passaram a dispor de treinamentos orientados e aulas presenciais, virtuais ou híbridos?
Curiosamente, mas não por acaso, na recente publicação do ACSM (2020) em uma pesquisa sobre as tendências para o fitness em 2021, o primeiro item aborda o treinamento online como uma forma de entrega que veio para modificar a forma de consumo desses serviços.
2. Softwares com melhorias significativas de desempenho
Nesse aspecto, Bill Gates nos apresenta a perspectiva de pensarmos sobre a necessária sofisticação dos sistemas e softwares que deverão tornar mais ágil, confiável e sobretudo com alto grau de usabilidade para proporcionar o acesso dos clientes, estejam eles fisicamente ou virtualmente presentes, bem como para a gestão do relacionamento com eles. Novamente, encontramos plena aplicabilidade desse ponto de vista com os negócios do segmento fitness & wellness na medida em que, como dissemos no item anterior, a presencialidade deixou de ser a exclusiva forma de entrega de serviços.
Além disso, é relevante que nossos gestores considerem que dispor de sistemas ágeis e funcionais propiciam interatividade com recursos que hoje estão “vestidos” em seus clientes, permitindo interatividade pré e pós consumo, independente de onde eles estejam. Mais uma vez, e nunca por acaso, encontramos no recente estudo do ACSM (2020) como segunda tendência, as tecnologias vestíveis como algo definitivamente incorporado ao cotidiano das pessoas. Definitivamente, a tecnologia não é um fim, mas apenas um meio de promover acesso, interação e consumo.
3. Compartilhamento de espaços
Nesse item, Bill Gates destaca que, pelo fato de incorporamos os trabalhos remotos, haverá menos demanda por exclusividade nos espaços utilizados pelas empresas, levando ao compartilhamento por diferentes empresas de espaços únicos, com alternâncias de dias e horários, obviamente com as devidas adequações ambientais e estruturais.
Sob esse aspecto, é relevante considerar a possibilidade de empresas do segmento fitness & wellness que ofereçam produtos (serviços) ao mercado consumidor diferenciados, que organizem-se, criando parcerias produtivas e que propiciem o uso do mesmo espaço físico para suas entregas a clientes.
Sob esse aspecto, identifico três tipos de decisões que nossos gestores precisarão tomar para adentrar esse novo contexto onde custos são rateados, especificidades dos serviços são preservadas e ganhos são otimizados. São elas: as decisões logísticas (onde fazer?); decisões estruturais (de que recursos e estrutura preciso para fazer?) e decisões operacionais (como preciso fazer?).
4. Escolhas para moradia em locais diferentes
Bill Gates nos aponta que, na sua visão, os grandes centros perderão atratividade para residir em função, exatamente, do item 1 que descrevemos, pois pela virtualidade incorporada às entregas de bens e serviços, deixa de ser relevante morar perto do trabalho, quando localizam-se em grandes centros. Assim, os negócios em fitness & wellness, como não poderia deixar de ser, alinham-se perfeitamente a essa nova forma de perceber a realidade e, portanto, deixa de ter sentido pensar em espaços para melhoria do estilo e da qualidade de vida localizados em locais onde as pessoas deixarão de ir com regularidade.
Sob essa ótica, melhor será considerar a possibilidade de tê-los como “pontos de entrega de serviços” próximos às suas residências, o que significa, em certa medida, o “resgate” de algumas vantagens que as pequenas academias e estúdios de bairros propiciavam aos seus clientes. Cada vez mais fica evidente que os serviços precisam chegar onde estão as pessoas, o que agrega praticidade, otimização de tempo e pertencimento.
5. Maior socialização na comunidade local
De certa forma, e como derivado do item anterior, Bill Gates apresenta a ideia de que, pelo fato de experimentarmos, daqui por diante, menos contatos em ambientes tradicionais de trabalho, modificando a forma de realizar nossos jobs, tenderemos a investir o que ele chamou de nossas “energias sociais” com entes queridos e pessoas da localidade. Essa realidade, inexoravelmente, modifica comportamentos e altera padrões de interação interpessoal e intergrupal. Sob esse aspecto, consideramos que o nosso mercado fitness & wellness precisa repensar seu papel no sentido de criar percepções para além da mera prática de exercícios/esportes para, cumprindo sua missão de melhorar a vida das pessoas, favorecer um empowerment dessa interação por meio da oferta de atividades que promovam experiências coletivas, diferenciadas e de alto valor agregado, presencial, virtualmente ou em um formato híbrido.
6. Coisas não retornam ao normal tão cedo
Em que pese o grande investimento da ciência no desenvolvimento de tratamentos e antídotos para o vírus causador da pandemia, Bill Gates sinaliza para uma permanência, ainda por muito tempo, de comportamentos conservadores, sobretudo em se tratando das pessoas adultas e idosas, que aliás aumentam numericamente muito mais do que as taxas de natalidade no mundo inteiro. Nesse aspecto, particularmente, discordamos da posição dele quando usa “não voltar ao normal por muito tempo”. Entendemos que ela deve ser substituída pelo “nunca mais seremos como éramos” na medida em que os medos, cuidados adquiridos e preocupações em relação a contaminações foram incorporados ao dia-a-dia em todos os cantos do planeta dada a gravidade à qual estamos ainda submetidos.
No que se refere aos negócios fitness & wellness, alinhados ao posicionamento de Bill Gates, sugerimos aos nossos gestores (as) que abandonem totalmente a ideia de um “retorno à normalidade” até porque a normalidade pré-pandemia estava longe de ser próspera. Dificuldades de captação, retenção e fidelização como “dor de cabeça” de boa parte dos gestores, obstáculos imensos para aumentar a quantidade de pessoas fisicamente ativas e, no caso do Brasil, um aumento galopante do sedentarismo e obesidade.
Ora, se com a pandemia as pessoas passaram a perceber a importância de um estilo de vida saudável e ativo, haja vista a quantidade de pessoas que começaram a treinar online no meio dela, então aproveitemos para fazê-los perceber que somos a melhor solução, o melhor antídoto.
Mas para isso é preciso que modifiquemos nosso modelo mental na direção da “abundância”, de pessoas, recursos, possibilidades de entrega e clientela potencial, e não da “escassez”, onde “olhamos para o copo meio vazio”. Definitivamente, a partir da adversidade fomos “empurrados” para a busca por um empoderamento de nosso papel na sociedade e, por isso mesmo, entendemos que retornar ao estágio pré-pandemia seria um retrocesso.
7. Próxima pandemia não será tão grave
Por derradeiro, Bill Gates afirma que as próximas doenças que acometerem a humanidade nos encontrarão dotados de ferramentas, recursos e estratégias mais ágeis, por conta de todo o desenvolvimento que fomos obrigados a empreender em curto espaço de tempo. Ele utiliza a expressão “treinos de doença como treinos de guerra”, representando a capacidade de testagens rápidas e em massa seguidas de um conhecimento de alto nível e quantidade acumulados a partir dessa pandemia. Assim ele considera que estaremos mais preparados para lidar com contextos como esse e, por conseguinte, com desfechos mais favoráveis.
Novamente, e associando essa posição com os negócios em fitness & wellness, reconhecemos que será necessário repensar indicadores associados a imunologia na gestão dos resultados de nossos clientes, um controle mais criterioso de fatores geradores de comorbidades, que tiveram papel decisivo em muitos óbitos nessa pandemia, e ainda um necessário avanço nas pesquisas relacionadas a estilo de vida, e hábitos saudáveis com uma abordagem pela Educação Física desde a escolarização inicial. Tudo isso deverá ser acompanhado por mudanças também nos espaços de convivência para a prática de exercícios/esportes, o que certamente criará uma ambiência mais “asséptica”, fazendo com que estejamos mais protegidos, nos cuidando e cuidando dos outros melhor.
Resumidamente, o que conseguimos apreender com o posicionamento sobre o futuro de um visionário do porte do Bill Gates, é que cenários diferentes demandam planejamento com um pensar e olhar estratégico, otimismo na interpretação da realidade, busca por fazer sempre o seu melhor e, sobretudo, vontade, muita vontade de fazer a diferença e ser relevante para seus clientes.
Ficou evidente, ao nosso entender, nos sete pontos apresentados por ele, que sua visão é absolutamente otimista em relação ao mundo que se constrói a partir da pandemia mas, e destaco em especial esse ponto, em momento algum ele deixou de considerar a nossa capacidade de fazer nosso melhor, de construir realidades prósperas, negócios mais humanizados e, porque não dizer, uma vida melhor.
Nesse ponto encontramos total sintonia entre suas percepções e nosso papel na sociedade e, por isso mesmo, entendemos que nos sete pontos que ele nos ofereceu temos capacidade de melhorar a vida das pessoas, em última análise, nosso propósito enquanto um negócio em saúde.
Referências bibliográficas
FARIAS, E. Porque Estudar o Comportamento do Consumidor nos Negócios em Fitness & Wellness. Revista Empresário Fitness & Health. Edição 93. Disponível em https://empresariofitness.com.br/gestao-com-ciencia/porque-estudar-comportamento-do-consumidor-nos-negocios-em-fitness-wellness/ Setembro/2020.
GATES, B. Bill Gates prevê que a Pandemia mudará o mundo destas 7 Maneiras? Disponível em https://revistapegn.globo.com/Dia-a-dia/noticia/2020/11/bill-gates-preve-que-pandemia-mudara-o-mundo-destas-7-maneiras.html. Acesso em 27/12/2020.
SINEK, S. O Jogo Infinito. SP: Sextante, 2020.