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Natação para pessoas com síndrome de Prader Willi

Colunista: Marcelo Barros de Vasconcellos

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Esta matéria trata-se de um relato de caso ocorrido durante o projeto de natação, que acontece no Cap-UERJ, coordenado por mim prof. Marcelo Barros de Vasconcellos e uma equipe de bolsistas do curso de educação física da UERJ (Izabel Sobral, Lívia Viana e Catharina Cerboni) e trata especificamente das dez primeiras aulas de natação, nos meses de maio, junho e julho, para o aluno João Pedro que possui condição clínica chamada de síndrome de Prader-Willi. Destaco que essa matéria teve autorização do pai do aluno, assim como, dos bolsistas e da professora Bárbara Brum, para que o nome deles fossem citados ao longo do relato.

Na anamnese com os alunos pretendentes à aula de natação, foi identificada que um dos alunos tinha a síndrome de Prader-Willi e seus objetivos eram melhorar o tônus muscular e a coordenação motora. O atestado do pediatra indicava “apto para praticar a natação”. 

Neste momento estávamos com um desafio ao receber um aluno para natação com Prader-Willi sem nunca ter trabalhado e desconhecer do assunto. O apoio e confiança dos pais foi fundamental para iniciar o trabalho que seria desenvolvido na água.

Sintomas da síndrome de Prader-Willi

Os sintomas da síndrome também estão associados ao ambiente em que vivem, aos estímulos e ao acompanhamento terapêutico e educacional que recebe. A saber, os principais sintomas são:

  • Hiperfagia – constante sensação de fome e interesse por comida, que pode surgir entre os 2 e 5 anos e levar a obesidade ainda na infância.
  • Hipotonia – atraso nas fases típicas do desenvolvimento psicomotor quando bebês. Mais tarde fraco tônus muscular, dificuldades com alguns movimentos, equilíbrio, escrita, uso de instrumentos, lentidão.
  • Dificuldades de aprendizagem e fala.
  • Instabilidade emocional e imaturidade nas trocas sociais.
  • Alterações hormonais – atraso no desenvolvimento sexual.
  • Baixa estatura.
  • Diminuição da sensibilidade à dor.
  • Mãos e pés pequenos.
  • Pele mais clara que os pais.
  • Boca pequena com o lábio superior fino e inclinado para baixo nos cantos da boca.
  • Fronte estreita.
  • Olhos amendoados e estrabismo.

Passo a passo da abordagem

1º passo: reunir a equipe de trabalho para pesquisar sobre o assunto e verificar com quem o aluno melhor iria se adaptar. O aluno vivenciou momentos da aula com uma professora e outros com um professor, ambos nunca tinham trabalhado com este tipo de síndrome.

De acordo com informações da Fundação Oswaldo Cruz, a Síndrome de Prader-Willi foi descrita em 1956, sendo de origem genética localizada no cromossomo 15 ocorrendo no momento da concepção. Afeta meninos e meninas em um complexo quadro de sintomas, durante toda a vida, variando em presença e intensidade de indivíduo para indivíduo. Um diagnóstico precoce, antes da manifestação dos sintomas, principalmente a obesidade, tem trazido uma melhora na qualidade de vida dos portadores nos últimos anos. Mas mesmo em caso de diagnósticos tardio, uma série de cuidados podem ser iniciados.

2º passo: ouvir o relato da professora Bárbara Brum da escola do aluno que trabalha com ele no Atendimento Educacional Especializado (AEE) na escola. Para ela, “acompanhar um aluno com síndrome rara é sempre um grande desafio. Apesar de ter o AEE, receber um novo aluno com condições específicas requer estudo, paciência e muito aprendizado. Com este aluno não seria diferente. Todo dia é único e cheio de boas surpresas”.

 “Sua condição não o impede de participar das atividades escolares, ele apenas precisa das adaptações pedagógicas necessárias para ter o acesso devido ao conhecimento e para sua participação nas aulas e nas atividades físicas. Algumas vezes o aluno necessita de um incentivo maior, como combinados realizados com antecedência para ir até o espaço da Educação Física e também para frequentar a natação, atividade extra que começou recentemente. A atividade física não é algo de sua preferência, mas, devido a sua síndrome, é extremamente importante e necessária”.

A professora relata que “em trabalho de campo em Paraty, em 2022, os alunos tiveram a possibilidade de ir até a piscina da pousada. Todos entraram, mas o aluno preferiu ficar na borda da piscina, alegando que a água estava muito fria. Sua sensibilidade ao frio e ao calor é algo considerável e sempre devemos respeitar os limites dos nossos alunos. Porém, de certa forma, é importante insistir sempre, com paciência e cuidado, para que o aluno experimente novos desafios, oportunidades e sensações. Costumo usar o lúdico para apresentar novas atividades e ambientes. Em momentos de ansiedade, as brincadeiras auxiliam no seu aceite sem muita resistência”.

“As surpresas do meu trabalho me emocionam diariamente. Não existe receita pronta no trabalho do Atendimento Educacional Especializado. Todos os alunos são únicos, com sua personalidade, bagagem cultural e cognitiva. Diferentes estratégias devem ser usadas, caso o aluno seja resistente. Por vezes, é apenas uma questão de tentativa para ele perceber que gosta” (Brum, 2023).

3º passo: realizar uma adaptação ao meio líquido de forma mais lenta, com paciência e respeitando o princípio da individualidade biológica do aluno.

Planejamento das aulas

A seguir serão abordadas as dez aulas e as percepções dos professores que estiveram com o aluno, uma vez por semana, ao longo de três meses de aula.

Aula 1: buscou-se a ambientação ao espaço da piscina e equipe de profissionais. O aluno colocou o pé na água e sentiu a água fria, por isso, não quis entrar na piscina, mas ficou durante toda a aula no ambiente aquático. O coordenador conversou com o pai e explicou que a adaptação seria no tempo do aluno e que o aluno seria deixado à vontade para se ambientar com professores, espaço, temperatura, colegas de turma e demais itens que eram novos para ele. Para Catharina, bolsista que auxiliou o aluno, na primeira aula o aluno demonstrou desconforto no ambiente aquático. Era um dia nublado, o que dava uma sensação de frio maior do que estava, além do fato do aluno ter alta sensibilidade para temperaturas. Nessa aula foi o primeiro contato que tive com o aluno, pois o mesmo não estava presente no dia da inscrição, e sim seu pai, que me atualizou sobre a Síndrome Prader-Willi que seu filho foi diagnosticado. Por conta da sensibilidade com a temperatura, não consegui motivar o aluno a adentrar na piscina como o resto da turma, porém consegui sentar com ele na borda para que colocasse os pés na água (trazendo-o a um pequeno passo da adaptação ao meio líquido). Vale ressaltar que se iniciou aula com o restante da turma em uma piscina para bebês e que o aluno não quis ficar próximo a essa piscina, somente aceitou sentar na borda da piscina grande que, posteriormente, os outros alunos também foram.

De acordo com Izabel Sobral, “ele apresentou incômodo ao contato físico, negando abraços e toques num primeiro momento. O pai esteve presente e próximo a ele em todo o tempo da aula. Sempre estimulando que participasse. Foi notório também um grande desconforto do aluno pela temperatura fria da água que se negou a entrar mesmo após tentativas de todos os professores”.

Para Lívia Viana, “a percepção foi que nessa aula o aluno não foi muito receptivo, não queria entrar na piscina, então foi sugerido que ele ficasse na borda perto de onde estávamos dando aula para ele pudesse se acostumar, e assim ele ficou até o final das atividades. O pai esteve próximo o tempo inteiro para passar segurança e confiança ao filho diante da nova experiência com novos professores”.

Aula 2: a equipe de professores obtiveram a informação de que o aluno não ia comparecer à aula porque teve uma crise de ansiedade no caminho para o local em que são ministradas as aulas de natação.

Aula 3: uma das características das pessoas que tem Prader-Willi é a não saciedade de comidas. Sabendo disso, seu pai usou de estratégia para convencer o filho, se ele entrasse na piscina. A recompensa de dois bombons dietéticos se ele molhasse os pés na piscina pequena, três bombons dietéticos se ele entrasse na piscina grande. Bombons esses que seriam consumidos no decorrer da semana. O aluno repetia várias vezes “eu quero ganhar três bombons”. Como estava frio, o professor se prontificou a emprestar uma roupa de neoprene e a família aceitou a ideia e autorizou o aluno a entrar na piscina com a roupa de neoprene do professor. O aluno caminhou pela piscina, interagiu com as outras crianças e adolescentes. No final da 3ª aula ele não quis sair da piscina.

Segundo relato da Catharina “o aluno apareceu para aula, porém ainda acusando muito frio (neste dia o céu estava parcialmente ensolarado) para adentrar à piscina. O tempo que ficamos convencendo o aluno, percebi que ele queria muito entrar, porém, algo estava o segurando, talvez o frio que ele estava imaginando sentir, ou um pouco de desconfiança pelos professores que ele não tinha familiarização com a piscina. Era tudo muito novo para ele. De qualquer forma, utilizamos a proposta de seu pai para fazermos ele entrar e conseguimos! Além do estímulo da proposta, um fator marcante para a entrada do aluno foi um abraço do professor. O aluno ficava pedindo abraço por conta do frio que sentia, e acabou que foi assim que ele foi convencido, oferecendo um abraço. No restante da aula o aluno foi se acostumando, ainda acusando um pouco de frio, porém participando mediante músicas curtas criadas sobre o momento e esguichando um pouco de água no rosto dele, o suficiente para produzir felicidade e satisfação à equipe sobre a evolução dele”.

Para Izabel Cabral, profissional que ficou com ele em alguns momentos na piscina, “foi nessa aula que se teve melhor aproveitamento, pois ele entrou na água e foi incluso nas atividades do grupo com mais nove crianças além dele. Nenhuma delas apresentava nenhuma condição semelhante à dele e aparentam ter bom convívio com sua condição”.

O pai do aluno esclareceu que além das características citadas da síndrome de Prader-Willi, um que se relaciona a terem mais sensação de frio é o fato de a síndrome trazer problemas no hipotálamo como a saciedade de fome e problemas de regulação térmica, assim sendo, algumas crianças com essa síndrome apresentam hipotermia e outras hipertermia.

Aula 4: o aluno não queria entrar na aula no início, foi colocado na piscina pequena de 50 cm para caminhar com a água no joelho e apanhar objetos no fundo participando da caça ao tesouro com outros alunos. Ficou incomodado com bichinhos mortos na piscina (abelhas e moscas), repetia que a abelha que estava morta podia picar ele. “Abelha pica”. Após a retirada dos bichinhos ele aceitou continuar na piscina rasa. Quando a turma foi para piscina grande, ele foi junto e desceu pela escada. O professor o abraçou e o conduziu para uma das raias. No decorrer da aula ele foi se “soltando” e conseguiu fazer imersões, sorriu de alegria com as atividades propostas, fez propulsão de pernas segurando no ombro do professor e não aceitou ficar com flutuador, preferiu ficar com apoio do professor.

Foi usada a técnica de mão mãe de contato, onde sempre uma das mãos do professor fazia contato com alguma parte do corpo do aluno para que ele pudesse se sentir seguro e não “sozinho” no meio líquido. Durante a aula o óculos de grau dele foi tirado na piscina para que ele pudesse fazer a imersão. O pai ofereceu uma blusa de proteção ultravioleta e a touca, mas ele preferiu não usar a touca. Ao final da 4ª aula ele também não quis sair da piscina. Catharina destacou que nesta aula teve bastante facilidade em entrar com ele na piscina e conseguir adaptá-lo mais ainda ao meio líquido.

Para Lívia Viana, “após ter desbloqueado a resistência a temperatura fria da água, o aluno aos poucos foi dando mais abertura aos professores de natação. Dessa forma, a cada aula ele estava cada vez mais incluído nas atividades e se permitindo participar, não sendo tão necessária a presença do pai tão perto e adquirindo maior autonomia”.

Aula 5: a pedagoga da escola que o aluno estuda foi convidada para falar sobre como é a característica e trabalho que está sendo desenvolvido. Ela mencionou a importância dele se sentir seguro com o professor para realizar as atividades.

O pai, quando levou o aluno para natação, pode esclarecer sobre a importância de “manter o filho focado na atividade porque nessa síndrome as pessoas às vezes ficam fixadas em algo até mudar o estímulo e redirecionar o foco”. Começamos a aula na piscina rasa e ele pediu para ir para funda (1metro e 20 centímetros) altura que permitia ao aluno ficar em pé “sozinho”. O aluno estava mais relaxado e permitiu realizar exercícios de propulsão tanto de crawl como de costas com apoio do professor e da professora.

Para Catharina, “a evolução do aluno deixou ela surpresa, pois conseguiu aproximá-lo das atividades dos outros alunos, assim, conseguiu incluí-lo cada vez mais. Houve uma resposta positiva, pois antes dessa aula o aluno só queria ficar sozinho com os professores, ao invés de ficar no meio dos outros alunos”.

Para Izabel, “mesmo incomodado com o frio, ele participou de todas as atividades, demonstrando ótima resposta aos comandos das atividades e interações com os demais professores e alunos. Percebi ótimo senso de humor e maior resposta para as atividades quando tem música envolvida no processo”.

Aula 6: o aluno reclamou que estava frio e que não queria entrar na piscina. No entanto, depois que trocou de roupa, ficou animado e enquanto os outros alunos faziam exercícios na piscina pequena ele começou a querer descer na escada para entrar na piscina quando o professor ficou espantado com a mudança de comportamento e entrou logo com ele. Durante a aula, além dos conteúdos de adaptação ao meio líquido que seriam trabalhados na aula, o aluno começou a iniciar, por conta própria, movimentos de deslocamento, tentou se aproximar dos outros alunos, realizou propulsão de pernas do nado de costas e demonstrou estar feliz por estar na aula.

Para Izabel, “as aulas ainda estão acontecendo e a maior evolução percebida até a 6ª aula é a resposta cognitiva aos comandos e a sociabilidade com os professores dentro e fora d’água. O pai já não acompanha as atividades tão próximo da piscina e, mesmo assim, o aluno se sente seguro para entrar e participar das aulas. Ainda há observação da evolução do seu quadro clínico e de comportamento, na expectativa para que ele atinja seu desenvolvimento máximo”.

Segundo Lívia, “o aluno gosta muito de música, portanto foi dada atenção para esse aspecto e se utilizou para que ele pudesse ter uma melhor experiência, que deu resultados positivos. As aulas ainda estavam em processo e a equipe feliz com a evolução social e cognitiva, as mais significativas até aquele momento, sendo assim ele poderia evoluir muito mais se continuar nesta crescente”.

Aula 7: o aluno chegou atrasado na aula e estava reclamando que estava muito frio. Seu pai conseguiu convence-lo a trocar de roupa e ir para área da piscina. Ao acolher o aluno, ele começou a chorar e dizer que estava muito frio. De fato, a água estava fria e a temperatura externa também estava baixa. Optou-se por deixar o aluno sentado na borda. Após diversos estímulos, o aluno entrou nos 20 minutos finais, mas após ficar 10 segundos na água, chorou muito e foi retirado. Ao final da aula a equipe o parabenizou por ter entrado um pouco na piscina e ele pediu palmas, mas quando batemos palmas para ele foi ativado um “gatilho” de instabilidade e ele começou a chorar de soluçar, seu pai interviu e conseguiu restaurar a normalidade. Foi um dia difícil!

Aula 8: a temperatura da água estava fria e o tempo fechado. O aluno chegou na piscina dizendo que estava com frio e não quis entrar. Como na aula anterior a proposta de entrar mesmo estando com frio não funcionou, optou-se por deixar o aluno na borda interagindo com a turma. Ao final ele desceu três degraus da escada e ficou por 10 minutos com os pés na água e perguntou se estávamos felizes por ele ter conseguido “entrar na piscina”. Parabenizamos e enfatizamos que estaríamos esperando-o na próxima aula.

Aula 9: o aluno entrou com uma das professoras. Segundo ela, as variações de humor apresentadas, principalmente com o gatilho do barulho das palmas, têm influência na participação das aulas. Embora não se saiba o que acontece com ele antes das aulas, ao que parece, caso ele não tenha intercorrências que desequilibrem seu emocional, ele fica contente ao ver a piscina e os professores. A resposta às atividades mais lúdicas é maior, principalmente com músicas, como já foi relatado.

 O aluno não quis entrar na piscina no primeiro momento da aula, ficando sentado em uma cadeira próximo à borda. Ele aceitou se molhar com a ajuda de uma garrafa que ele mesmo enchia na própria piscina. Após estar com o corpo todo molhado e ter se adaptado a temperatura da água, o aluno aceitou entrar na piscina, sempre dizendo que deixaria seus professores e familiares felizes com essa atitude. A turma reage de forma bem acolhedora com o aluno em questão, sempre o incentivando a participar das atividades.

Nos momentos finais da aula foi realizado um jogo, o qual ele aceitou participar da sua maneira, chegou a arremessar a bola para fazer gols, mas perdeu o interesse em seguida, preferindo caminhar e dançar pela piscina com a professora. Um fato interessante relatado pelo mesmo, foi que sabendo de seu próprio incômodo com o som das palmas, ele ensinou à professora uma forma diferente de fazer tal gesto, esfregando as mãos uma na outra. Trazendo um importante recurso para as comemorações com esse aluno.

Aula 10: o coordenador ficou com o aluno por 25 minutos na escada no aguardo dele se sentir confiante para entrar. Ele perguntou se eu ficaria feliz se ele entrasse na piscina e respondi que ficaria feliz. Ele descia um degrau e depois voltava. Por fim ele desceu todos os degraus e caminhou pela piscina na busca de um local “sem barulho”. Pediu uma garrafa de água para ficar jogando na cabeça e ficou intercalando colocar o rosto na água para buscar objetos no fundo e jogar água para refrescar. O momento adequado de quando devemos colocar o aluno na piscina deve ser norteado pela predisposição para entrar do aluno e não o tempo que o professor considera adequado.


Aprendi com este aluno a ter mais paciência para conseguir atingir os objetivos traçados pela família ao matricula-lo na natação que era melhorar o tônus muscular e a coordenação motora.

Que este aluno, e muitos outros com esta síndrome, possam encontrar piscinas abertas para acolhe-los. O fato de as aulas terem sido no inverno podem ter influenciado a adaptação do aluno. Aguardamos pela continuidade das aulas no período

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