Durante muitos anos, o guarda vidas foi chamado de salva vidas, pelo fato de ter no imaginário da população a figura de alguém que prestava o serviço de socorro heroico para a população. No entanto, nos últimos anos, o termo salva vidas foi alterado para guarda vidas (GV). Passou-se a valorizar mais a prevenção e não o socorro. A premissa é que a função principal deste profissional passou a ser a de prevenção, proteção, guarda, vigia e não a de resgate. Já o termo salva vidas se refere ao equipamento destinado ao salvamento, a boia.
Os filmes retratavam o salva vidas como alguém forte, com poderes para vencer qualquer tempo, qualquer mar, a qualquer hora.
As músicas usadas durante o treinamento dos cursos de formação de salva vidas reforçavam a ideia de que eles eram super-herói, tinha até a música que mencionava isso na letra:
Senti um dia em meu coração
Uma imensa e forte emoção
Eu consegui varar a arrebentação
Salvando vidas da população
E lá na areia todos vão dizer
Soldado forte é o grupo do GV
Percebe-se que a música usada pelo salva vidas demonstrava o quanto se valorizava o ato de salvar por meio de um resgate heroico na água (conseguir salvar a vida) e o quanto se esperava receber o reconhecimento da população (todos na areia dizendo sobre os seus poderes) pelo ato de bravura. É necessário que se criem músicas que enfatizem na letra a mensagem de que “prevenir é salvar”.
Existem empresas que mencionam em quadros de avisos a quantidade de dias que estão sem nenhum acidente. Empresas deste tipo valorizam a prevenção de acidentes e não o fato de realizar o socorro. Quando existe prevenção, as chances de acontecer um acidente são menores.
No passado, os salva vidas eram reativos (atuavam quando um afogamento acontecia). De fato, o salva vidas era treinado para realizar resgates e tinha êxito na maioria dos seus salvamentos. Atualmente, os guarda vidas são ensinados a serem proativos (quando percebem que há um risco iminente de acontecer um afogamento os guarda vidas apitam, gesticulam, orientam) e assim evitam que o acidente ocorra. Percebe-se que houve claramente uma mudança de comportamento destes profissionais guarda vidas que passaram a ter um apito no seu uniforme. Será que é possível ter uma nova música que retrate o guarda vidas atual? Uma letra do tipo:
Senti um dia em meu coração
Uma imensa e forte emoção
Eu consegui chamar a atenção
Ao apitar para população
Sem precisar ir na arrebentação
E lá na areia todos vão dizer
Soldado forte previne sem correr.
Hoje, os guarda vidas podem ser chamados de herois, mas não pelos salvamentos e sim pela antecipação, proatividade, pelo cuidado e proteção da vida alheia que ele não permite que seja exposta ao risco, à dor, ao sofrimento, ao estresse na água, ao afogamento, seja ele na piscina da academia, clube, ou qualquer ambiente aquático.
O profissional guarda-vidas está no local para proteger, guardar a vida dos alunos, fornecer informações preventivas para evitar acidentes e está apto a atuar em um resgate se a prevenção falhar. Na ausência de guarda-vidas o cuidado com a prevenção deve ser maior. Mesmo atletas de natação não estão isentos de passar mal ao nadar e por isso é importante que independente do público que esteja na piscina haja sempre guarda-vidas no local (Vasconcellos, 2020).
Ademais, o guarda-vidas pode ajudar a conferir se a luminosidade e acústica da piscina permitem dar aulas seguras aos alunos. Possuir boa luminosidade ajuda na visualização de todos os alunos, inversamente, a baixa luminosidade torna a aula um risco de o aluno mergulhar em área rasa, bater com as mãos na borda, se afogar e o professor não ver quando estiver submerso. Já em relação à acústica, se o local não possui boa acústica, o risco de não ouvir uma orientação ou um pedido de ajuda/socorro aumenta; inversamente, diminui o risco de acidentes quando o local prepara um sistema de som para dar orientações preventivas ou para acionar rapidamente alguém para ajudar em caso de emergência. Na inexistência de guarda-vidas no ambiente da piscina, o número de alunos deve ser menor para se aumentar a segurança (Vasconcellos & Massaud, 2022).
Processo seletivo para guarda vidas
No Estado do Rio de Janeiro, é obrigatório que haja guarda-vidas de piscina ou professor de Educação Física habilitado profissionalmente para este fim, em piscinas localizadas nos prédios residenciais, de dimensões superiores a 6 m x 6 m, em hotéis, clubes sociais e esportivos e, nas academias de esportes e ginástica, de acordo com a Lei 3728/2001, revisada através da Lei n.º 4428/2004 (ALERJ, 2001).
A seguir, constam alguns testes para candidatos a guarda vidas de piscina e guarda vidas de mar. No futuro, as provas de ingresso no curso de guarda vidas não serão com itens apenas de parte física, mas haverá questões de noções de prevenção de acidentes, pois este último tornou-se o ator principal neste cenário.
Características gerais que normalmente são aplicadas nas provas aos candidatos a guarda vidas são: iniciando do bloco de partida, da borda da piscina ou de dentro da água, realizar qualquer estilo de virada, devem nadar sem parar, sem agarrar-se nas bordas ou nos separadores de raias flutuantes, nem apoiar os pés no fundo da piscina, ou utilizar-se de meios como: palmar, nadadeiras e similares, ou utilizar qualquer recurso de ajuda. O uso de óculos e touca de natação são opcionais. O número de tentativas depende do edita, sendo no máximo duas.
A seguir, algumas das tarefas que devem ser realizadas em provas desse tipo e suas características:
- Apneia
Características: em piscina, submerso, permanecer no mínimo 45 segundos sem respirar;
- Apneia dinâmica ou deslocamento submerso, apneia dinâmica horizontal, mergulho horizontal
Características: em piscina, nadar submerso, de uma borda a outra, 25m. A partida será dada de dentro da piscina, junto à borda.
- Apneia vertical ou apneia dinâmica vertical
Características: mergulhar até a profundidade de 3m em alguns casos até 5m.
- Nadar 25m
Características: nadar estilo crawl 25m no tempo máximo 30-35 segundos.
- Nadar 50 m
Características: nadar estilo crawl 50m no tempo máximo de 40 segundos, em alguns casos 50 segundos para homens e para mulheres.
- Nadar 100m
Características: nadar estilo crawl 100m no tempo máximo de 1’20 segundos para o sexo masculino e 1’25 segundos para o sexo feminino.
- Nadar 200m
Características: crawl 200m no tempo máximo de 5 minutos.
- Nadar 400m
Características: nadar estilo crawl 400m no tempo máximo de 8 minutos em alguns casos 9-10 minutos.
- Nadar 500m
Características: nadar estilo crawl 500 metros no tempo máximo de 10 minutos, em alguns casos, 11 minutos.
- Nadar 800m
Características: nadar estilo crawl 800 metros no tempo máximo de 14 minutos, em alguns casos pode chegar a 20 minutos.
- Nadar 1.000 metros no mar
Os candidatos são levados de lancha até uma distância de 1km. Os candidatos que chegarem à praia nadando sem nenhum tipo de auxílio serão considerados aptos para serem matriculados no curso e quem for resgatado estará eliminado.
- Teste de arrebentação
Partindo da areia, o candidato deverá atravessar a linha de ondas (arrebentação) contornando um ponto demarcatório após a mesma, retornando ao ponto inicial, no tempo máximo de 15 minutos. Ou, sendo reprovado, quem fizer um tempo superior ao dobro do melhor tempo.
- Equilíbrio hidrostático
Características: o candidato deverá permanecer por 5 minutos equilibrando-se na superfície da piscina utilizando apenas a movimentação das pernas e mantendo as mãos e os punhos fora d’água.
- Teste de flutuação
Características: avaliado deve boiar em pé, com mão dentro da água. Não pode flutuar em decúbito dorsal. Palmateios são opcionais, mas recomendável. No tempo mínimo de 10 minutos, em alguns casos 30 minutos.
- Biathlon no mar
Correr 200 metros na areia, nadar 200 metros no mar, e correr 200 metros na areia em até 8 minutos.
- Nadar de aproximação – Características: nadar 50m com a cabeça fora da água no tempo máximo 50 segundos em alguns casos 1 minuto.
- Nadar 200m com lastro de 3 kg
Características: nadar sem limite de tempo.
Para Vasconcellos (2020), “Prevenção não tem preço, mas sua ausência tem custo”. Ações de prevenção realizadas precisam ser reconhecidas pela sociedade como atitudes nobres e dignas de comparação com heróis invisíveis que ecoam o som por meio de um apito protetor. Que a placa da sua piscina esteja escrita ao final do dia: “mais um dia sem nenhum afogamento”.
Que haja uma mudança de paradigma: prevenção ao invés de ter que socorrer.
Referências bibliográficas
- Vasconcellos, Marcelo Barros. Qual o dia de prevenir afogamentos? Revista Empresário Fitness & Health. 2020; 95(1):1-7.
- Vasconcellos, Marcelo Barros. Massaud, Marcelo Garcia. What is the adequate number of students per class for safety in swimming lessons? Reflection by teachers from Rio de Janeiro, Brazil. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.8, n.1, p. 8047-8062 jan. 2022.
- Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Lei nº 3728, de 13 de dezembro de 2001. Obriga a permanência de salva-vidas em piscinas localizadas em clubes e prédios residenciais e dá outras providencias. 2001.