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A beleza do nadar e a inclusão social

Colunista: Marcelo Barros de Vasconcellos

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Por anos, a natação foi um esporte praticado predominantemente por pessoas com maior poder aquisitivo. No entanto, atualmente a natação também é ofertada aa outras classes sociais em projetos de inclusão social.

A natação gera benefícios para a saúde1, contudo, o impacto das aulas de natação na vida de muitos são sociais, educativos, afetivos e muito além dos benefícios fisiológicos que o exercício aquático oferece ao praticante. Ademais, os valores esportivos vão sendo incluídos a cada contato com professores e outros praticantes de esporte.

Ao evoluir na natação e melhorar o desempenho, alguns alunos percebem que para ter bons resultados esportivos eles têm que ter acesso ou selecionar melhor o que comer, não beber bebida alcoólica, dormir a quantidade de horas necessárias diárias (dormir cedo e não acordar tarde), não usar drogas, andar com pessoas de boa índole, ter bons comportamentos, tirar boas notas na escola, ou seja, o esporte ajuda, direta e indiretamente, a moldar o caráter e atitudes, não só dentro d’água, mas também para vida. O tempo ocupado praticando esporte faz com que o aluno tenha menos tempo nas ruas/ocioso.

Em projeto de natação que coordeno na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, voltado para alunos de escola pública, que fazem aula gratuita, fui surpreendido quando, ao entrevistar aluno interessado em participar do projeto, apresentar como motivação para matrícula que queria nadar porque era bonito.

Aquela resposta foi tão profunda que me fez mergulhar no significado que a palavra bonito tem para tentar entender o que o aluno disse.

Nadar é bonito!

A palavra bonito revela nobreza de caráter, belo, formoso, gracioso, bondade, sabedoria, talento, competência. Nadar é bonito, ou seja, é agradável à vista de quem vê.

“A beleza está nos olhos de quem vê.”

Entrar na piscina para fazer natação é algo que o torna nobre, belo, formoso, bonito e este aluno que começou a fazer natação passou a interagir melhor com os colegas de turma na escola e seus históricos de violência contra outros alunos diminuíram. Professores de outras disciplinas na escola relataram, em conselho de classe, que esse aluno passou a se esforçar nas aulas e prestar mais atenção aos ensinamentos. De fato, a felicidade que este aluno emanava a cada aula era graciosa de se ver.

O aluno citado também mencionou o quanto ficou feliz por ganhar uma touca e ficar parecido com um nadador. Para ele, havia uma distância muito grande entre a piscina e ele. Por exemplo, ele não tinha sunga de banho para fazer aula e fez a primeira aula de short. A saber, uma pessoa que não está acostumada a frequentar o ambiente aquático não existe a necessidade de ter traje de banho para piscina ou praia.  Frequentar a piscina não fazia parte da sua vida. Semelhantemente, uma pessoa não precisa ter um quimono em casa se ele não faz aula de lutas.

Outro relato que também me chamou a atenção diz respeito a outra aluna do mesmo projeto que ao receber a touca de natação ficou triste porque a touca não cabia no seu tipo de cabelo.

Então, algumas aulas depois eu consegui adquirir uma touca específica para o seu tipo de cabelo e pude contemplar a beleza da aluna quando recebeu uma touca específica para quem tem cabelo volumoso e se molda melhor ao estilo de corte. A figura mostra o tipo de touca que a aluna ganhou.

Os casos acima mostram que não é apenas oferecer aulas de natação em projeto social para tentar oportunizar os alunos aos esportes. É preciso oportunizar também condições de deslocamento até o local da aula, oferecer a vestimenta adequado para prática (por exemplo, na natação: touca, maiô/sunga), e a alimentação, caso contrário, os alunos são excluídos antes mesmo de se matricularem no projeto, simplesmente porque eles não têm o básico para participar.

A ação de adquirir uma touca específica que atendesse ao perfil de cabelo da aluna gerou um senso de pertencimento nela. Esse senso tem um viés emocional e relaciona-se com a forma com que o/a aluno(a) enxerga as aulas que são oferecidas. Quando esse sentimento existe, a pessoa se vê como parte de algo maior, membro de uma comunidade, e isso faz com que se sinta acolhida, querida e relevante no projeto e na vida.

No Brasil, programas sociais são oriundos, na sua maioria, de instituições ligadas aos governos (municipal, estadual, federal), ou Organizações Não Governamentais (ONGs); por exemplo, o Instituto Federal do Rio Grande do Norte tem um projeto chamado “Natação Cidadã: promovendo saúde com inclusão social”. De acordo com os idealizadores, a natação é uma excelente modalidade que pode proporcionar saúde e inclusão social e que pode ser praticada por pessoas de qualquer idade e nível social.

O esporte é um meio importante de socialização por conseguir atingir valores como coletivismo, amizade e solidariedade, que são relevantes para vencer as agruras da pobreza2. Além disso, é uma forma de substituir a violência, por uma competição controlada, em que o respeito à vida é um elemento fundamental. A procura do esporte pelos membros das classes populares, como um meio de elevação social, especialmente por aqueles que são residentes em comunidades violentas, pode representar uma forma de autorealização e de superação da condição de não ter direitos de cidadania plena2.

Papel do professor

O professor precisa vislumbrar perspectivas de mobilidade social e apresentar os caminhos que conduzam à ascensão social dos alunos provenientes das camadas populares. Ademais, o professor nunca deve negligenciar ou desvalorizar a relevância das atividades esportivas para este fim.

O professor que consegue atender as expectativas dos participantes de crescimento no esporte evita a evasão e coloca/atinge as metas de socialização através do esporte e do lazer.

O exemplo do impacto que o esporte teve na formação profissional de muitos professores de Educação Física podem ser empregados para a evolução social e profissional de alunos dos projetos de natação social.

Ex-atletas e formados em nível superior relataram a influência do esporte na escolha da profissão. Pesquisadores também mostraram que a vivência esportiva parece ter contribuído para a ampliação dos anos de escolaridade e aprofundamento nos conhecimentos escolares destes indivíduos, o que resultou em mobilidade social dos mesmos quando comparados com o nível de escolaridade e a profissão de seus pais (80% dos pais dos entrevistados não chegaram a iniciar o nível superior) 2.

O professor precisa:

  1. acreditar no esporte como meio de formação pessoal e profissional;
  2. acreditar que as condições materiais e de infraestrutura sejam suficientes para a formação dos alunos;
  3. perceber em si competência para contribuir na formação dos alunos;
  4. estar comprometido com o processo de formação dos alunos;
  5. perceber o que foi positivo em sua formação também pode ser na formação de seus alunos;
  6. perceber em seus alunos potenciais para crescerem no esporte2.

Ensinar natação para essas crianças e ver a beleza nos olhos delas são estímulos para atuar como professor.

Espero que você, leitor, possa ter a mesma sensação que eu.  

Referências

  1. Leo I, Leone S, Dicataldo R, Vivenzio C, Cavallin N, Taglioni C, Roch M. A Non-Randomized Pilot Study on the Benefits of Baby Swimming on Motor Development. Int J Environ Res Public Health. 2022 Jul 28;19(15):9262.
  2. Vianna JA, Lovisolo HR. A inclusão social através do esporte: a percepção dos educadores. bras. educ. fís. Esporte. 25 (2) Jun 2011.

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