Empresários e gestores do fitness brasileiro, preparem-se para uma realidade mais dura que o treino de um fisiculturista profissional. Enquanto nossas academias disputam os mesmos 5% da população (na verdade 4,62%, segundo a Health & Fitness Association (H&FA), antiga IHRSA, os outros 95% seguem resistindo à nossa cultura de espelhos, suores e alguns gemidos de esforço. Os dados da própria IHRSA mostram que o Brasil é o segundo maior mercado de academias do mundo em número de estabelecimentos, atrás apenas dos Estados Unidos. No entanto, a taxa de penetração – o percentual da população que frequenta academias – é de apenas 4,62%, muito abaixo de países como Suécia (21,6%), Estados Unidos (20,8%) e países da América Latina, como por exemplo o México, que tem 8,1% e a Argentina, com 6,3%.
É hora de encararmos uma verdade incômoda: talvez o problema não seja “eles” que estão de fora, mas sim “nós” que devemos achar uma nova abordagem de colocá-los para dentro.
Dados-chave (H&FA/ACAD Brasil 2023)
- 43 mil academias no Brasil em 2025 (2º mercado global).
- Taxa de evasão: 35% nos primeiros 6 meses.
- Crescimento anual: 7% pré-pandemia vs. 3% atualmente.
- Mercado movimenta R$ 8 bilhões/ano.
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Recentemente, tive a oportunidade de conversar com Maurício Sant’Ana, um ex-aluno/cliente de academia, mas principalmente um filósofo clínico. Tanto por um lado ou pelo outro, com uma perspectiva única sobre o Mundo do Fitness. Nossas quase duas horas de conversa foram uma verdadeira maratona intelectual, desafiando conceitos arraigados e propondo uma visão revolucionária para as academias.
Essa visão do Maurício é importante pelo aspecto de ser um ex-possível ainda futuro aluno de academia, com suas frustrações e visões “de fora”, além de ser um filósofo clínico, tendo assim a oportunidade de fazer uma “terapia” das academias, suas condutas e imagens.
Preparem-se para sair da zona de conforto, porque o que vem a seguir pode mudar completamente a forma como você vê seu negócio.
A Jornada do "Sem Floresta" no Mundo do Fitness
Maurício se apresenta como um “Sem Floresta” – um amazonense vivendo na selva de pedra de Niterói, no Rio de Janeiro. Com 25 anos de experiência em TI e quatro anos como filósofo clínico, ele traz uma perspectiva única para o mundo do Fitness. Sua jornada pessoal com academias é um microcosmo das frustrações que muitos dos nossos potenciais clientes enfrentam.
Ele começou a conhecer as academias nos anos 70 e 80. Mas ainda, em sua maioria, eram espaços rudimentares, focados principalmente em equipamentos, resistência e força muscular.
Na verdade, Maurício descreve um ciclo “normal” para muitos: entusiasmo inicial seguido de desânimo e desistência em permanecer na academia. Esse padrão se repetiu várias vezes em sua vida, até que ele encontrou, muito anos depois, uma abordagem diferente em uma academia de treinamento funcional.
O que fez a diferença? Um professor que foi além dos músculos, focando na educação integral sobre o corpo e seus processos. “Ele me ensinou sobre atrito, resistência, estresse do corpo, hidratação, automatismo, recuperação… Foi a primeira vez que me senti realmente educado sobre meu corpo, não apenas instruído a movê-lo ou fazer força contra aparelhos”, conta Maurício.
Esta experiência nos leva a uma pergunta crucial:
Nossas academias estão realmente educando as pessoas ou apenas as instruindo mecanicamente?
O corpo como empresa: uma nova perspectiva
Maurício introduz um conceito intrigante: ser “empreendedor de si mesmo” no contexto do exercício físico. Ele explica: “Empreender vem do latim, significando ‘prender para dentro’ ou ‘assumir’. No contexto do Fitness, significa reconectar o físico com o mental, usar o corpo como fonte de elementos importantes para o cognitivo.”
Ele propõe que vejamos nosso corpo como uma empresa, com seu próprio “modelo de negócio”.
“Precisamos avaliar nossas atividades, recursos-chave, parcerias e relacionamentos corporais”, sugere. “Muitas vezes, focamos apenas nos ‘resultados’, como perda de peso ou ganho muscular, sem considerar o processo holístico de ‘gestão corporal’.”
“Assim como uma startup precisa equilibrar custos e receitas, seu corpo requer harmonia entre descanso e movimento. Esta analogia nos convida a pensar em nosso bem-estar de forma mais estratégica e integrada.”
Esta analogia abre portas para uma revolução na forma como estruturamos nossos serviços. E se, em vez de vender apenas “resultados”, vendêssemos “consultoria corporal integral”? E se nossas academias se tornassem “incubadoras reais de saúde e bem-estar”? Todas as academias acabam vendendo exercícios, aparelhos de musculação, aulas empacotadas e formatadas que todo mundo tem igual, isso tudo acaba virando “commodity”. Qualquer um pode ter igual. Basta ter dinheiro, comprar os aparelhos, colocar um nome, um design, uma arquitetura bonita e pronto. Isso as academias já fazem há anos e ainda existem 95% da população fora delas. Tem algo fora do lugar!
Desconstruindo a cultura do corpo: do tecnicismo à humanização
Um dos pontos mais provocativos da nossa conversa foi a crítica à cultura predominante nas academias:
“Muitas academias ainda operam com uma visão aristotélica do corpo – cabeça, tronco e membros”, observa Maurício. “Mas o corpo é muito mais complexo e individual do que isso.”
Eu acrescento que as avaliações físicas tradicionais, muito até já abolidas pela grande maioria das academias, embora muito importantes, principalmente as reavaliações, as que o fazem, frequentemente falham em capturar o aspecto mais crucial: a motivação e o estado emocional do indivíduo. Costumo dizer que “precisamos de uma ‘radiografia da alma’, não apenas do corpo!”.
Esta observação alinha-se com pesquisas recentes no campo da psicologia do exercício. Um estudo publicado no Journal of Health Psychology, em 2019, mostrou que fatores psicológicos como autoeficácia e motivação intrínseca são melhores preditores de aderência ao exercício a longo prazo do que medidas físicas iniciais.
Esta observação nos leva a questionar:
Estamos realmente atendendo às necessidades dos nossos clientes ou apenas impondo nossa visão do que eles “deveriam” querer?
As tendências do Fitness, ano após ano, pesquisam o que os clientes que estão dentro querem sem buscar o que os que estão FORA desejam para entrar. Esta é a questão principal.
A pandemia como catalisador de mudanças
Maurício compartilhou uma observação fascinante sobre como a pandemia forçou uma reinvenção do Fitness.
“Em Niterói, RJ, as academias se mudaram para as praias, oferecendo uma variedade de atividades ao ar livre. De repente, vimos pessoas de todas as idades e condições físicas participando de atividades diversas – do boxe ao yoga, da canoagem aos circuitos funcionais.”
O impacto da pandemia no setor foi profundo. Dados oficiais da ACAD Brasil mostram que 23% das academias fecharam entre 2020 e 2021; as sobreviventes mantiveram 58% dos clientes com modelos híbridos e aulas online representaram 40% da receita em 2022 para redes Premium.
Esta experiência natural de “diversificação forçada” nos mostra um caminho: a variedade e a flexibilidade podem ser a chave para atrair aqueles 95% que ainda resistem às academias tradicionais. De fato, um relatório da McKinsey & Company de 2020 sobre o futuro do fitness pós-pandemia prevê uma demanda crescente por experiências de fitness híbridas e personalizadas, combinando treinos presenciais e digitais.
Todas as academias já possuem suas salas equipadas como estúdios de TV? Prontas para um formato híbrido? Aulas ao vivo e transmitidas e gravadas on-line? Montar uma sala estúdio dessas hoje em dia é mais barato do que uma esteira de última geração.
E quem garante que estamos livres de uma nova pandemia igual ou até pior? Vamos depender de as academias estarem abertas para uso só dos aparelhos de musculação? Ou teremos salas estúdios com professores treinados e especializados para várias modalidades de aulas para os alunos fazerem em casa?
Repensando a preguiça e a procrastinação
Um insight particularmente valioso veio da discussão sobre as raízes da “preguiça” e “procrastinação” em relação ao exercício físico. Maurício argumenta que estes termos são generalizações perigosas. “Para cada pessoa, a resistência ao exercício tem origens únicas e complexas”, explica.
Usando seu próprio exemplo, Maurício descreve como sua natureza criativa o levava a constantemente buscar significado nas atividades da academia, resultando em exaustão mental antes mesmo do cansaço físico. “Minha ‘preguiça’ era, na verdade, uma sobrecarga cognitiva”, revela.
Esta perspectiva é corroborada por pesquisas recentes em neurociência. Um estudo publicado na Nature em 2022 mostrou que a “preguiça” pode ser, na verdade, um mecanismo de conservação de energia do cérebro, essencial para nossa sobrevivência evolutiva. Isso sugere que, em vez de combater a “preguiça”, talvez devêssemos trabalhar com ela, criando ambientes e rotinas que respeitem os ritmos naturais do corpo e da mente.
Esta perspectiva nos desafia a repensar como abordamos a “falta de motivação” dos clientes. E se, em vez de julgar, buscássemos entender as razões individuais por trás da resistência de cada pessoa?
Da performance à conexão: transformando o ambiente da academia
Um tema recorrente em nossa conversa foi a necessidade de transformar as academias de espaços focados em performance para ambientes de conexão e bem-estar. Maurício enfatiza a importância da socialização e do sentimento de comunidade.
“As pessoas aderem mais quando se sentem parte de algo maior”, observa. Ele sugere que as academias poderiam se beneficiar ao oferecer mais atividades que promovam interação social e apoio mútuo entre os membros.
Esta abordagem é respaldada por pesquisas em psicologia social. Um estudo publicado no Journal of Sport & Exercise Psychology, em 2018, mostrou que o senso de comunidade em ambientes fitness está fortemente correlacionado com maior aderência ao exercício e bem-estar psicológico.
Esta abordagem nos leva a questionar: Estamos focados em apenas comprar aparelhos e máquinas de exercício ou cultivando uma comunidade de bem-estar?
As academias que ainda pensam em acabar com suas aulas coletivas deveriam pensar em outras estratégias e novas abordagens aproveitando seus espaços para novas comunidades e nichos saindo da mesmice de aulas que todos têm. Isso requer tempo e treinamentos, mas também custa bem menos que qualquer aparelho de musculação e o resultado em aderência e lucratividade poderão ser muito bons.
Autonomia e escolha: o poder da liberdade
Maurício Sant’Ana argumenta fortemente a favor de dar mais autonomia aos clientes. “As pessoas resistem menos quando têm escolha”, afirma. Ele sugere que as academias poderiam oferecer uma variedade maior de atividades e permitir que os clientes explorem e escolham o que mais lhes agrada.
Esta abordagem desafia o modelo tradicional de prescrição de exercícios. E se, em vez de ditar, guiássemos nossos clientes em uma jornada de autodescoberta física? Já existem ótimos estudos e artigos científicos sobre este tema. Em breve, abordarei aqui na revista.
Empresários, fiquem atentos à formação e contratação dos seus times de profissionais. Os que estiverem pensando fora da caixa poderão trazer os resultados que vocês desejam.
Além da estética: redefinindo o sucesso no fitness
Outro ponto crucial de nossa discussão foi a necessidade de desconstruir padrões estéticos opressivos no universo fitness. Maurício enfatiza a importância de promover uma visão mais saudável e inclusiva do corpo.
“O corpo não é apenas um objeto de performance ou consumo”, argumenta. “É um território de experiência e autodescoberta.” Ele sugere que as academias poderiam focar mais no bem-estar geral e na saúde, em vez de apenas na aparência física.
Esta perspectiva nos convida a repensar nossos indicadores de sucesso. E se medíssemos o sucesso de nossas academias não pelo número de “corpos sarados”, mas pelo nível de bem-estar e satisfação de nossos clientes? Parece simples e bonito de dizer. Muitos já falam sobre isso. Mas fazem? Medem? Ensinam? Educam?
O papel da empatia e da inclusão
Maurício destaca o papel crucial da empatia na criação de espaços de exercício verdadeiramente inclusivos. “Os profissionais de fitness precisam entender e respeitar as diferentes necessidades e limitações de cada pessoa”, afirma.
Ele sugere que as academias poderiam se beneficiar ao oferecer treinamentos de sensibilidade e empatia para seus funcionários, criando um ambiente mais acolhedor para todos os tipos de corpos e habilidades.
Conclusão: um chamado à ação
Amigos Empresários Fitness e colegas de profissão, chegou a hora da verdade! Estamos diante de uma encruzilhada que definirá não apenas o futuro de nossos negócios, mas potencialmente a saúde e o bem-estar de milhões de brasileiros. Podemos continuar no caminho há anos já trilhado, competindo ferozmente pelos mesmos 5% da população com abordagens que já conhecemos. Ou podemos ser pioneiros corajosos, embarcando em uma jornada de reinvenção radical para alcançar os 95% que ainda não encontraram um lugar em nossas academias.
A escolha é nossa e as consequências são enormes. Se continuarmos no caminho atual, corremos o risco de nos tornar irrelevantes, perdendo terreno para aplicativos de Fitness, treinadores on-line e uma geração que vê as academias tradicionais como relíquias de uma era ultrapassada do fitness.
Mas se escolhermos a reinvenção, temos a oportunidade de criar uma nova era do Fitness: uma era de inclusão, bem-estar holístico e transformação pessoal genuína. Imaginem academias como verdadeiros centros comunitários de saúde, onde pessoas de todas as formas, tamanhos e habilidades se sentem bem-vindas e valorizadas. Imaginem um modelo de negócio que prospera não pela exploração de inseguranças, mas pela promoção de autoestima e autocuidado.
Este não é apenas um sonho, é uma necessidade urgente! Com as taxas de obesidade, doenças crônicas e problemas de saúde mental em ascensão, temos a responsabilidade moral de fazer melhor. Nós, como líderes da indústria do fitness, temos o poder de impactar positivamente a saúde pública de uma maneira que poucos outros setores podem. Podemos avançar muito mais no WELLNESS.
Então, aqui está o nosso chamado à ação, baseado em estratégias comprovadas por evidências para atingir os 95%:
- Revolução educacional: transforme sua academia em um centro de aprendizagem holística sobre o corpo e a mente. Invista em programas de educação contínua para seu time que vão além das certificações tradicionais de fitness. Educação e palestras para os alunos/clientes também são válidas.
- Redefina o sucesso: abandone as métricas antiquadas de sucesso baseadas apenas em medidas físicas. Desenvolva novos indicadores que medem satisfação e saúde integral dos clientes.
- Abrace a diversidade: faça uma auditoria completa na sua academia – desde o marketing até o design do espaço físico – e vá muito além da gestão financeira e métricas apenas de como ganhar mais dinheiro. Primeiro AFIE O SEU MACHADO. Prepare o terreno. Cuide do seu jardim e as borboletas virão. Garanta que você está verdadeiramente acolhendo pessoas de todos os tipos de corpos e habilidades.
- Tecnologia com propósito: não use a tecnologia apenas para automatizar processos, mas para personalizar experiências e criar conexões significativas. Integre wearables e apps de uma maneira que promova o autoconhecimento, não a obsessão.
- Comunidade antes de tudo: reimagine sua academia como um hub comunitário. Tribos. Coletividade. Crie espaços e programas que fomentem conexões sociais genuínas entre seus membros. Ofereça pacotes família/comunidade inspirados nas Academias da Terceira Idade (taxa de renovação média: 82%).
- Empodere através da escolha: desenvolva um modelo de serviço que coloque a autonomia e a escolha do cliente no centro. Permita que seus membros cocriem suas jornadas de fitness. Crie um Conselho Consultivo com Clientes. Tenha um coordenador, um cuidador linha direta focado só nos clientes.
- Narrativa de autocuidado: lidere uma campanha de mudança cultural em sua comunidade, redefinindo o exercício como um ato de amor próprio e não de sofrimento, suor e dor. Autopunição. Transforme ou crie avaliações físicas como jornadas de autoconhecimento.
- Parcerias inovadoras: colabore com profissionais de saúde mental, nutricionistas, terapeutas e outros especialistas em bem-estar para oferecer um serviço verdadeiramente integrado e holístico.
- Sustentabilidade e responsabilidade social: integre práticas sustentáveis e programas de impacto social em seu modelo de negócio. Mostre que você se preocupa não apenas com os corpos de seus clientes, mas com o mundo em que eles vivem.
- Seja o exemplo: como líderes, devemos encarnar esta nova filosofia em nossas próprias vidas. Mostre vulnerabilidade, pratique autocuidado publicamente e lidere com empatia. Esteja na academia, faça as aulas, treine, interaja com os alunos.
Este é o momento de sermos ousados, de desafiarmos o status quo e de redefinirmos o que significa ser uma academia no século XXI. Não será fácil: exigirá coragem, criatividade e um compromisso inabalável com uma visão maior.
“Não estamos vendendo músculos – estamos oferecendo significado.” (Maurício Sant’Ana)
Chegou a hora de escolher: continuar servindo aos mesmos 5% ou liderar uma revolução capaz de impactar milhões? Os números não mentem (apps caseiros captarão 30% do mercado até 2027!): ou mudamos ou seremos história!
No próximo artigo, exploraremos exemplos inspiradores de adesão e retenção de alunos no passado, como a academia FISILABOR em Botafogo, conhecida por suas avaliações periódicas e salas especializadas com professores treinados para cada nível de condicionamento dos alunos, assim como discutiremos o modelo da ACM na Lapa, RJ, que seguia a tradição da YMCA nos EUA, onde os alunos/sócios eram recebidos com uma palestra introdutória, oferecendo orientações práticas sobre como utilizar os programas de esportes e exercícios do clube.
Essas histórias são lições que poderão ser aplicadas de forma ainda melhor com as tecnologias modernas no cenário fitness contemporâneo.
Abraços do meu tamanho!