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Treinamento com foco na funcionalidade do idoso

Colunista: Mauro Guiselini

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1. O que é Funcional e Funcionalidade

As palavras “funcional” e “funcionalidade” têm significados relacionados, mas são usadas em contextos diferentes, principalmente em áreas como design, tecnologia, na linguagem cotidiana e, mais recentemente nos programas de Fitness. A seguir, apresentamos definições que são apresentadas na literatura específica sobre o conceito de Funcional

FUNCIONAL

“Funcional” é um adjetivo que descreve algo que é útil, prático ou que cumpre uma função específica. Geralmente, refere-se à capacidade de algo de realizar ou desempenhar seu papel de maneira eficiente.

Uma definição clássica sobre Funcional é a proposta pelo Oxford English Dictionary: de ou servindo uma função; projetado ou destinado a; ter uma função.

Outras definições:

  1. 1. capaz de operar ou funcionar 2. tendo ou servindo a um propósito utilitário; capaz de servir ao propósito para o qual foi projetado (Webster’s Encyclopedic Unabridged Dicionary of the English Linguage).
  2. 1. adj. cuja execução ou fabricação se procura atender, antes de tudo, à função, ao fim prático (Michaellis)

Exemplos de uso do termo “funcional”:

  • Um design funcional de um móvel significa que ele é prático e atende às suas funções sem ser excessivamente decorado.
  • Um software pode ser descrito como funcional se ele cumpre suas funções principais sem erros ou falhas.
  • Um treinamento físico é funcional quando tem como principal objetivo melhorar a funcionalidade do corpo no dia a dia, ou seja, trabalhar movimentos que são frequentemente utilizados nas atividades cotidianas.

FUNCIONALIDADE

“Funcionalidade” é um substantivo que se refere à qualidade ou conjunto de funções que algo oferece. Ou seja, são as capacidades específicas de um objeto, sistema ou dispositivo, as funções que ele pode executar.

Exemplos de uso de “funcionalidade”:

  • A funcionalidade de um celular pode incluir recursos como ligações, mensagens de texto, câmera e internet.
  • Um sistema de software pode ter várias funcionalidades, como gerenciamento de usuários, envio de relatórios e integração com outras plataformas.
  • A funcionalidade de um programa de exercícios pode ter, como foco, adaptações morfológicas e desenvolvimento de capacidades biomotoras  e aprendizagem de habilidades motoras utilizadas no mundo real de movimento (GUISELINI, 2024).

Resumo da diferença:

  • Funcional descreve a característica de ser útil ou eficiente, ou seja, algo que funciona bem e cumpre sua função.
  • Funcionalidade refere-se às funções ou capacidades específicas que algo possui, ou seja, o que ele pode fazer como por exemplo, o treinamento funcional que tem como objetivo adaptar o indivíduo ao ambiente em que ele vive – o mundo real de movimento.

Então, de maneira simples, “funcional” é uma qualidade (algo que é útil e cumpre seu propósito), enquanto “funcionalidade” é o conjunto de funções que algo oferece.

2. Revisão sobre o termo “Treinamento Funcional”

O termo “Treinamento Funcional “ tem sido muito utilizado por profissionais de Educação Física e fisioterapeutas para identificar um tipo específico de treinamento aplicado com diferentes objetivos: prevenção de lesões, manutenção da capacidade funcional, recuperação de lesões e desempenho esportivo.

Para vários especialistas no assunto, existe um consenso comum sobre o conceito de Treinamento Funcional e MultiFuncional (Guiselini, 2016), ou seja, ele é elaborado para treinar as habilidades motoras funcionais necessárias para as atividades cotidianas e/ou esportivas, com foco na função, diferente dos exercícios de isolamento que treinam o músculo com foco na forma.

Figura 1. Exercício isolado rosca direta e exercício multiarticular na maquina remada fechada

Há uma concordância entre eles que treinar o músculo é diferente de treinar o movimento, os exercícios realizados nas máquinas e aparelhos tradicionais de musculação, na sua grande maioria, não são transferidos para as atividades cotidianas, esportivas, lutas, artes marciais e dança. (Check, 2000; Rubenstein, 2005; Clarck et al, 2008; Boyle, 2004; Santana, 2006, Gambetta, 2011; Guiselini, 2012).

 O treinamento funcional, no entanto, é um termo que pode ser interpretado de forma equivocada por que todo movimento é funcional (vide conceito de funcional/multifuncional); a distinção deve ser focada na funcionalidade das habilidades motoras funcionais que, segundo Gambetta (2012), são especificas, no caso dos esportes.

De acordo com Vives (2005), treinamento funcional é um treinamento que melhora a estrutura do corpo ou movimento. Se esse movimento é mecanicamente simples (subir escada carregando uma cesta de roupa) ou complexo (fazer uma bandeja no basquete evitando a marcação), estamos sempre treinando para a função ideal do corpo.

Para Boyle (2010), o treinamento funcional é mais bem descrito como um continuum de exercícios que ensina os atletas a controlarem o “peso corporal” (em relação à força da gravidade) em todos os planos de movimento. É um treino com propósito e é representado como um treinamento generalizado para todos os esportes. O técnico usa o peso do corpo como resistência e escolhe posições que tenham significado.

Dos Remédios (2010) menciona que o treinamento funcional se refere somente àquelas habilidades motoras utilizadas para melhorar o funcionamento do seu corpo no dia a dia, por meio do programa de treinamento. Sem exageros, sem trejeitos, sem truques – apenas exercícios eficientes.

A maioria dos jogos, esportes, lutas, segundo Radcliffe (2007), é disputada na vertical, em pé, com movimentos de flexão, extensão e rotação em várias direções. Treinar esses movimentos só ajudará a melhorar o desempenho nas diferentes atividades cotidianas e esportivas, além de mantê-lo saudável. A capacidade de mover-se, com mobilidade e estabilidade, serve para mantê-lo no caminho certo para o sucesso; o treinamento funcional vai te mostrar o caminho.

Para Gambetta (2012), o treinamento funcional envolve mais do que trabalhar numa superfície instável usando bolas de estabilidade ou outros acessórios similares, os movimentos utilizados são multiplanares e multiarticulares.

Esta definição simples, de certa forma, no entanto é complexa a sua aplicação, pois não é uma questão do que é ou não funcional; é apenas um entendimento de quão funcional um exercício ou movimento é relativo ao objetivo do treinamento. Se um atleta está trabalhando para melhorar a força para a corrida, e os exercícios que ele está fazendo envolvem posições sentadas ou em decúbitos, então eles não são muito funcionais em relação ao objetivo de melhorar a força para a corrida. (Gambetta, 2012)

       Minha definição para testes e treinamento funcional não me limita aos exercícios “frufru” (floreados), que muitos treinadores consideram ser treinamento funcional. Eu concordo plenamente com os treinadores de força que não gostam do lado “leve” do treinamento funcional. Demonstrei, em múltiplas ocasiões, que os pitchers e os quarterbacks das equipes colegiais e níveis profissionais podem obter mais ganhos funcionais através do dead lift e suas variações do que com uma rotação externa e interna de ombros com uma banda elástica.

Não estou dizendo que uma é melhor do que a outra, o que digo é que eles tiveram um treinamento com o dead lift porque eles necessitavam uma integridade mais forte no padrão de movimento. Se a avaliação mostrasse que eles precisavam mais trabalho de punho eles teriam recebido treinamento com a banda elástica (Cook, 2011).

Para Boyle (2011), treinamento funcional e treinamento em superfície instável não são sinônimos. Treinamento em superfície instável é um aspecto do amplo processo a que se resume o treinamento funcional. Infelizmente, esse treinamento em superfície instável se tornou tão sinônimo de treinamento funcional que muitos o consideram um único e o mesmo. Treinamento funcional não é tanto sobre os acessórios usados pelos fisioterapeutas em reabilitação, mas sobre o conhecimento que os fisioterapeutas ganharam sobre como as lesões ocorrem. É aí que as pessoas se confundem: não é sobre acessórios, é sobre conhecimento. O treinamento funcional dirige o foco para que os exercícios incorporem os músculos estabilizadores, porque é isto que os fisioterapeutas relatam como fonte de lesão (Boyle, 2011).

3. Considerações práticas

Motivo de muita controvérsia, o Treinamento Funcional, sob o meu ponto de vista e de acordo com inúmeros especialistas, tem relação com o Princípio da Especificidade – a tarefa motora deve ser treinada de forma similar àquela que será utilizada nas atividades básicas da vida diária, esportes, lutas, dança, artes marciais e laborais.  Para tanto, a aplicação da tarefa motora deve considerar:

  • Os planos nos quais os movimentos são realizados (mono ou multiplanar).
  • O tempo sob tensão, a amplitude de movimento.
  • A quantidade de músculos envolvidos.
  • A velocidade de execução.
  • O componente metabólico predominante (fonte de energia necessária).
  • A capacidade biomotora prioritária.
  • O ambiente no qual será realizado (autocontrole, controle de informações externas).
  • Natureza da habilidade motora: habitual (fechada) perceptiva (aberta) mista (aberta/fechada).

Em aprendizagem motora, esse processo é conhecido como “transferência de habilidades motoras” – quanto maior for a similaridade entre as tarefas, maior será o grau de transferência para a nova situação desejada. Daí a importância de se analisar o ambiente no qual a tarefa será aplicada.

Quando o programa de “treinamento funcional” é elaborado, seu propósito é que as tarefas motoras selecionadas consigam melhorar a funcionalidade necessária para que o praticante esteja adaptado no seu ambiente, responda da melhor forma, com eficácia, às demandas impostas pelo mesmo. Por exemplo, para os idosos, que consigam executar com eficácia, autonomia e independência, as tarefas cotidianas: sentar e levantar da cadeira, subir alguns lances de escada, pegar objetos no solo, se vestir, atravessar a rua com rapidez necessária, entre outras tarefas.

Figura 2. Agachamento e Flexão de Cotovelos – exercícios globais para idosos

Importante considerarmos que todo exercício – isolado ou global – cumpre uma função, tem um objetivo específico, no entanto, o que deve ser analisado é a sua funcionalidade, ou seja, as várias funções pelos quais está sendo aplicado.

Numa situação prática, teríamos exercícios “menos funcionais”, os isolados, que priorizam o desenvolvimento de um determinado grupo muscular e os “mais funcionais”, os globais, multiarticulares (multicomponentes)  que têm similaridade com as tarefas motoras utilizadas no mundo real de movimento: atividades cotidianas, lutas, artes marciais, danças, esportes e atividades laborais.

Sem dúvida, é um tema de muita controvérsia!

Sugestão de leitura

  1. Guiselini, M.A. Integração do Corpo: Mobilização e Equilíbrio da Energia pelo Exercício – Método Mauro Guiselini. Editora Manole. São Paulo, 2001.
  2. Guiselini, M. e Guiselini, R. Avaliação do Movimento: como diagnosticar déficits de movimento para a prescrição de treinamento personalizado e coletivo. Editora Dialética, São Paulo. 2024.
  3. Guiselini, M e Guiselini, R. E-BOOK. Exercício Multifuncional: fundamentos teóricos e aplicação prática. Instituto de Ensino e Pesquisa Mauro Guiselini. São Paulo, 2020.
  4. Don Franks, B e Howley, E.T. Manual de Condicionamento Físico. 5a. ed. Porto Alegre: Gráfica e Editora Dedone, 2008.
  5. Guiselini, M.A. Aptidão Física, Saúde e Bem-Estar. 2a. ed. São Paulo: Phorte, 2006
  6. HEYARD, V. H. Advanced fitness assessment exercise prescription. 5a ed. Champaign, Illinois: Human Kinetics, 2007.
  7. Kisner, C. & Colby, L.A. Exercícios Terapêuticos: fundamentos e técnicas. ed. Editora Manole: São Paulo, 2007.
  8. Manske, RC e Reiman, MP. Functional Testing in Human Performance: 139 tests for sports, fitness and ocupational setting. Human Kinetics: Champaing, 2009.
  9. Signorile, J.F. Bending The Aging Curve: The Complete Exercise Guide for Older Adults. Champaing, Il: Human Kinetics, 2011.

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