Conhecendo conceitos específicos
Na Ciência do Movimento Humano – Educação Física, a definição de conceitos é motivo de muita controvérsia entre os especialistas, em especial quando se trata de definir capacidades biomotoras… Opa! Não seriam capacidades físicas, capacidades motoras, qualidades físicas ou mesmo valências físicas? Frequentemente, encontramos nos textos os termos capacidade, qualidade ou valência, que, por sua vez, têm o mesmo significado.
Capacidades motoras são qualidades gerais de uma pessoa que permitem a aprendizagem/desenvolvimento de habilidades. São condições físicas e/ou psíquicas hereditárias e desenvolvidas como resultado da maturação, experiência e prática; cada pessoa tem capacidades diferentes que aumentam ou limitam suas possibilidades de se tornar habilidoso em alguma tarefa. (BARBANTI, 2005).
Segundo Magill (1984), capacidade motora é um traço geral ou qualidade de um indivíduo relacionada com o desempenho de uma variedade de habilidades motoras, sendo componente da estrutura dessas habilidades.
De acordo com Gomes (2009), o organismo humano possui uma variedade de capacidades, uma vez que, em diferentes condições de contato com o meio ambiente, revela diversas capacidades funcionais. Dessa forma, essas capacidades do homem podem se definir como o conjunto de propriedades do organismo que se apresentam no processo de sua interação com o meio ambiente.
Para o citado autor, nesse caso, podem distinguir-se na história do homem algumas propriedades comuns do organismo que permitem, com sucesso, determinado tipo e solicitação de tarefa motora. Assim sendo, destacam-se cinco tipos de capacidades funcionais, reunidas pela noção conhecida como capacidades físicas:
velocidade - coordenação - força - resistência - flexibilidade
Para melhor compreensão do significado do termo biomotora, ele pode ser dividido em duas partes: bio = vida, e motora = movimento; isso significa movimento para a vida cotidiana ou esportiva (CHECK, 2000). As capacidades biomotoras, de acordo com Check, são as seguintes:
agilidade - equilíbrio - coordenação - força - resistência - flexibilidade - potência
Para que qualquer atividade motora, como por exemplo as do dia a dia, possa ser executada com êxito, necessita-se das capacidades motoras, e, no esporte, o desenvolvimento do rendimento está intimamente ligado ao desenvolvimento das diferentes capacidades motoras (BARBANTI, 2010).
A interação das capacidades biomotoras
Nos programas de aptidão física, o treinamento personalizado ou aulas coletivas, a execução dos exercícios globais, mono ou multiarticulares, mono ou multiplanares, utilizados nas sessões de treino, tem uma interação de várias capacidades motoras, entre elas as citadas anteriormente: resistência, força e velocidade; as capacidades biomotoras mobilidade, estabilidade e coordenação motora também estão integradas (GUISELINI, 2022), principalmente quando os exercícios são mais complexos.
Como exemplo da interação das capacidades biomotoras, na remada em pé no TRX (figura 2) a resistência de força (15 a 20 repetições), velocidade (2:0:2 – 4 segundos cada repetição), estabilidade do core (força isométrica do CQPLT – complexo quadril, pélvico lombar e tronco), são solicitadas e, consequentemente, estas capacidades biomotoras são desenvolvidas. A coordenação motora e a consciência corporal também são necessárias para a sua execução.
Sob o ponto de vista prático, toda tarefa motora tem a manifestação da força: as atividades cotidianas, tais como levantar e sentar (cadeira, sofá, vaso sanitário etc.), caminhar, subir e descer escadas, carregar sacola, pegar o bebê do berço; as tarefas que compõe os programas de treinamento com foco na saúde & bem-estar, emagrecimento e desempenho nos esportes recreacionais e de alto rendimento.
A força muscular, de acordo com Barbanti (2005), é a capacidade dos músculos de exercer tensão contra uma resistência (oposição), que ocorre por meio de diferentes ações musculares. Quando a ação muscular é maior que a resistência a ser vencida, a força é chamada dinâmica positiva (concêntrica); quando ela é menor, a dinâmica é negativa (excêntrica). Quando ela é igual à resistência (oposição), a força é denominada estática (isométrica).
Esta definição mostra, portanto, que toda tarefa motora só é executada pela manifestação da força – o tipo e a intensidade vão depender, portanto, das características e objetivos pelos quais a tarefa está sendo realizada: o idoso para sentar e levantar necessita da manifestação da força com velocidade (potência de membros inferiores), o atleta de voleibol também necessita da potência de pernas para saltar e fazer o bloqueio do oponente, o atleta de salto em altura, o jogador de futebol para chutar, a atleta de ginástica artística para realizar a sequência de solo… E por aí vai! A potência (força + velocidade) e os demais tipos de força estão presentes em inúmeras tarefas motoras, aquelas realizadas nas atividades cotidianas, lutas, artes marciais, esportes e dança, ora determinante, ora complementar.
As tarefas motoras do fitness
Por uma questão pedagógica, neste texto estamos utilizando o termo tarefa motora, como sinônimo de exercício* ou habilidade motora**; todos têm o mesmo significado, dependendo do autor. Importante ressaltar que a tarefa motora é resultado da prática sistematizada, aprendida e realizada de acordo com padrões pré-estabelecidos.
*Exercício Físico: é uma ação motora voluntária, planejada, composta de 2 ou mais movimentos básicos, realizadas de forma isolada ou em cadeia cinética, com pesos do corpo, acessórios, máquinas, podendo ser executado com auxilio da música e na água. Tem como objetivos o desenvolvimento de capacidades biomotoras e aprendizagem/aperfeiçoamento de habilidades motoras utilizadas nas atividade cotidianas, de condicionamento físico, de lazer, nos esportes, lutas, danças e artes marciais (GUISELINI e GUISELINI, 2024).
**Habilidade Motora: atos motores que surgem dos movimentos da vida diária do ser humano e dos animais. As habilidades motoras são executadas no dia a dia, no trabalho e também nos esportes, lutas, artes marciais e dança. São aprendidas pela prática (BARBANTI, 2010; GUISELINI e GUISELINI, 2024).
O movimento ideal, de acordo com Waterbury (2017), requer um equilíbrio entre mobilidade e estabilidade. A mobilidade é alcançada quando os tecidos moles – fáscia, músculos, tendões, capsulas articulares – tem uma extensibilidade para permitir que as articulações se movam através de uma amplitude completa de movimento, e não há restrição imposta pelo sistema nervoso. A estabilidade é alcançada quando os principais músculos podem se contrair no momento exato e com força suficiente para fornecer rigidez exatamente onde o corpo precisa (WATERBURY, 2017).
É importante salientar que, de acordo com Waterbury (2017), a força se manifesta simultaneamente com a estabilidade, assim sendo, durante a execução das tarefas motoras, observamos a manifestação da estabilidade local, global, força estática (isométrica), dinâmica (concêntrica e excêntrica) e a mobilidade. Dependendo do objetivo específico da tarefa motora, uma ou mais capacidades biomotoras são priorizadas como, por exemplo, no STIFF unipodal (figura 3).
O exercício Stiff unipodal com halter, considerado como sendo de quadril dominante, de alta complexidade, é realizado com objetivo primário de desenvolver a força de resistência dos extensores do quadril; a sua execução correta depende da estabilidade global do corpo, estabilidade local dos joelhos (manutenção no plano sagital), estabilidade do tronco, mobilidade do quadril, força dinâmica dos extensores do quadril. A coordenação motora global e a consciência corporal são, também, importantes para a execução correta.
Para alunos bem treinados, o STIFF unipodal pode ser utilizado, por exemplo, para o aumento da massa muscular, com ênfase na força hipertrófica; a coordenação motora, estabilidade, mobilidade estão tão desenvolvidas que a tarefa pode ser realizada com cargas externas tornando-a de alta intensidade, muito embora seja de alta complexidade.
Considerações sobre a aplicação prática
A escolha de determinada tarefa motora depende, portanto, dos objetivos a serem alcançados e do nível da capacidade funcional do praticante. Por exemplo, o agachamento, para os IDOSOS, é realizado para desenvolver a potência das pernas para torná-lo capaz de sentar e levantar, com autonomia, de acordo com as demandas do ambiente onde ele está inserido (levantar da cadeira, utilizar o vaso sanitário, por exemplo); o agachamento, para MULHERES, é utilizado por aquelas que desejam aumentar a massa muscular das pernas e glúteos – com objetivos estéticos ou para ATLETAS que têm como objetivo desenvolver a força e a potência dos membros inferiores para aumentar a performance nos esportes que praticam.
As tarefas multicomponentes, termo que está se popularizando, assim é denominado pois tem a interação de várias capacidades biomotoras, geralmente são multiarticulares, mono ou multiplanares, podendo priorizar uma ou mais capacidades biomotoras, com maior complexidade. As tarefas isoladas, termo popularmente utilizado para identificar aquelas que priorizam um determinado grupo muscular, geralmente são monoarticulares e monoplanares, com menor complexidade.
Em termos práticos, a escolha e a aplicação das tarefas nos programas de condicionamento físico dependem, portanto, do foco primário de cada grupo e respectivos integrantes. Consideramos, para tanto, os quatro principais grupos que identificam as metas/objetivos prioritários pelos quais as pessoas se exercitam – participam de programas de fitness ou de esportes. São eles:
- Saúde e Bem-Estar: ênfase no desenvolvimento das capacidades biomotoras funcionais.
- Estética: ênfase nas adaptações morfológicas relacionadas com diminuição de gordura e aumento da massa muscular.
- Desempenho de lazer: ênfase na aprendizagem das habilidades motoras específicas e desenvolvimento das capacidades biomotoras específicas do esporte recreacional escolhido.
- Desempenho de alto rendimento: ênfase na aprendizagem das habilidades motoras específicas e desenvolvimento das capacidades biomotoras específicas do esporte de alto rendimento escolhido.
Observamos que, na prática, a grande maioria dos programas de condicionamento físico combinam as tarefas motoras complexas com as isoladas, muito embora existam muitas discussões a respeito das escolhas.
Treinamos o músculo ou o movimento?
Esta é uma polemica muito grande, pois fica aqui a questão: o movimento depende da contração muscular (vide o conceito de força) e para treinar o músculo é necessário o movimento… Que grande polêmica, não?
Deixamos para você fazer a sua escolha, aquela que atende os objetivos dos seus alunos/cliente, que ele se sente bem e que você, profissional, consiga mantê-lo motivado por muitos anos! A melhor tarefa motora é aquela que seu aluno gosta, sente prazer em executá-la e, ÓBVIO, consiga concretizar as metas/objetivos dentro do prazo esperado.
Referências bibliográficas
- Guiselini, M e Guiselini, R. Avaliação do Movimento: como diagnosticar déficits de movimento para a prevenção de lesões e prescrição de treinamento personalizado e para grupos. Editora Dialética, São Paulo. 2024.
- Barbanti, V. Formação de Esportistas. Editora Manole , São Paulo.2005.
- Gomes, AC. Treinamento Desportivo: Estruturação e Periodização. ARTMED, Porto Alegre. 2009
- Waterbury, C. Powerfull Mobilit: Corretive Exercises for Better Performance and Joint Health. Chad Waterbury LLC. Santa Monica, CA. 2017.