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A polêmica do livre acesso do personal trainer nas academias

Colunista: Joana Doin

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No atual cenário do mercado fitness, a relação entre academias e personal trainers tem gerado discussões jurídicas relevantes, especialmente no que tange à cobrança pelo uso das instalações das academias por parte dos profissionais de Educação Física.

Vale pontuar, inicialmente, que a lei 9.696 de 1998 dispõe acerca da regulamentação da profissão de Educação Física com a criação dos respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais para proteção dos profissionais devidamente registrados.

Ocorre que, ante à ausência de Legislação Federal acerca da cobrança de taxa para que os profissionais de Educação Física prestem serviços personalizados (personal trainer) e possuam livre acesso às academias e estabelecimentos similares, alguns municípios e estados passaram a legislar o tema de forma autônoma.

Com a intenção de regular a matéria em âmbito nacional, foi apresentado o Projeto de Lei 4.717 de 2020, a partir da iniciativa do Senador Jorge Kajuru (GO), objetivando acrescentar na Lei 9.696 novo dispositivo legal para assegurar ao profissional de Educação Física que presta serviços personalizados (personal trainer) livre acesso, sem ônus, a unidades de promoção de saúde física, academias e similares nos horários de atendimento aos seus alunos regularmente matriculados nessas unidades.

Recentemente, o Projeto em discussão foi levado à apreciação pela Comissão de Esportes, entendendo esta acerca da constitucionalidade formal e material sobre a alteração legislativa apresentada.

Quanto ao conteúdo, após realização de audiência pública para discussão acerca do tema, entendeu o Senador Relator Romário (PL-RJ) aprovar o respectivo Projeto com a emenda a seguir transcrita:

Art. 1º……………………………………………..

Parágrafo único. Ao profissional de Educação Física que presta serviços personalizados (personal trainer) fica assegurado o livre acesso a unidades de promoção de saúde física, academias e similares nos horários de atendimento aos seus alunos regularmente matriculados nessas unidades, podendo o estabelecimento cobrar uma taxa no valor máximo correspondente a uma mensalidade básica utilizada pelos alunos.

A emenda proposta tem a intenção de equalizar os interesses dos atores envolvidos no tema: de um lado, os profissionais de Educação Física, que consideram a eliminação da cobrança atrativa para os praticantes de atividades físicas, incentivando, assim, a prática esportiva, outrossim, entendem os profissionais que a prestação do serviço incentiva a captação de clientes também para as academias; de outro lado, os empresários que consideram injusto não poder cobrar qualquer taxa para o profissional, que faz utilização dos aparelhos, equipamentos e estrutura dos estabelecimentos sem lhes dar qualquer compensação ou contrapartida pelos custos operacionais, considerando principalmente o entendimento de que a não cobrança é inconstitucional pois fere princípios gerais da ordem econômica que são basilares para manutenção da convivência em sociedade e que estão previstos na Constituição Federal de 1988.

​​O Projeto de Lei em discussão fere os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, das relações de consumo e da propriedade privada.

Ao profissional que aufere lucro a partir da exploração das academias, é essencial que pague pelo uso e manutenção do local escolhido, devendo esse valor ser fixado em razão à discricionariedade do estabelecimento.

​​A análise jurisprudencial revelou decisões judiciais que respaldam a cobrança pelo uso das instalações das academias. Veja-se entendimento abaixo:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEI DISTRITAL N. 7.058/2022. ACADEMIA DE GINÁSTICA. VEDAÇÃO DE COBRANÇA ADICIONAL DO CONSUMIDOR. CESSÃO DE USO DE ESPAÇO E EQUIPAMENTOS. PROFISSIONAL EXTERNO. PERSONAL TRAINER. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. RELAÇÃO DE DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. A Lei Distrital nº 7.058/2022 é direcionada apenas aos consumidores, clientes da academia. A interpretação extensiva de referida norma aos profissionais autônomos contratados pelos consumidores não é admissível, já que a relação entre aqueles e a academia é de natureza civil. Nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre Direito Civil. Logo, a interpretação de que a Lei Distrital nº 7.058/2022 incide na relação contratual (disciplinada pelo Direito Civil) da academia com o personal trainer, para além de estar em desacordo com a repartição da competência legislativa prevista na Constituição Federal, implicaria indevida interferência do Estado no domínio econômico e violação aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, e ao direito de propriedade. (TJ-DF 07197925520228070001 1676483, Relator: ESDRAS NEVES, Data de Julgamento: 22/03/2023, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 30/03/2023)”.

Conforme bem mencionado pela jurisprudência, a relação entre academia e personal não pode ser confundida com a relação de consumo entre academia e consumidor, onde, nesta última, é vedada cobrança adicional ao consumidor em detrimento de profissionais autônomos contratados pelos próprios consumidores.

Assim, é inadmissível a extensão dessa vedação à relação de natureza civil estabelecida entre estabelecimento e personal trainer.

Seguindo o entendimento jurisprudencial acima, a livre iniciativa, prevista no artigo 170, caput, da Constituição Federal, assegura a todos o direito de exercer atividade econômica de sua escolha, observados os parâmetros legais.

As academias, como empreendimentos privados, têm o direito de definir as condições para o uso de suas instalações, incluindo a cobrança de taxas pelo uso por parte de personal trainers, assim como o personal trainer que desejar empreender tem direito de abrir uma empresa, adquirir um espaço, comprar os equipamentos, investir em colaboradores, metodologias e cobrar o valor que desejar de seus clientes.

Outro ponto que deve ser observado e ressaltado é o direito de propriedade. O direito à propriedade privada, garantido pelo artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, confere aos proprietários o direito de usufruir de seus bens conforme suas conveniências, desde que respeitadas as leis. As academias, ao investirem em infraestrutura e equipamentos, têm o direito de cobrar pelo uso desses bens, garantindo assim a manutenção e sustentabilidade do negócio.

Assim, com base nos princípios da livre concorrência, livre iniciativa e propriedade privada, além da análise dos direitos e deveres das academias, investimentos e custos envolvidos, e os impactos da gratuidade da taxa de personal, conclui-se que é juridicamente justificável e economicamente justo que as academias cobrem pelo uso de suas instalações por personal trainers.

Toda empresa tem o direito constitucional de escolher o tipo de parceiros que deseja ter em seu estabelecimento. Toda academia tem o direito constitucional de tratar o parceiro comercial com cunho comercial. Toda academia tem o direito de precificar ofertas distintas de forma distinta, já que as figuras de cliente e personal trainer não se confundem.

Trata-se, portanto, de um projeto que pode abrir perigosos precedentes. E, porque não, utilizando a mesma lógica, obrigar daqui a pouco que a pipoca do cinema seja gratuita, ou que o estacionamento do shopping não possa ser cobrado? A fundamentação é a mesma: atividade complementares acessórias que entram a fórceps nos estabelecimentos de forma gratuita, sem crivo ou sem onerosidade. 

As parcerias “Store in store” acabariam do dia para noite, caso a lógica deste letramento legal seja estendido. Não cabe ao Estado obrigar um empresário a ter que admitir em seu estabelecimento um profissional, que foi dispensado de uma relação celetista com justa causa, como personal trainer; não cabe ao Estado forçar uma academia a receber gestores de seus concorrentes diretos e indiretos.  Certamente, estes serão cenários possíveis com o avanço do projeto, e prejudiciais ao mercado.

Cada empresário tem o direito de receber em seu estabelecimento em parceria comercial os profissionais que entenda compatíveis com sua marca, seus valores e seu propósito. 

Euforia sem base legal pode ser perigoso e durará até a legislação estender a legislação aos personal trainers para que tenham que atender alunos das academias sem cobrança adicional de qualquer taxa. 

Afinal, por que deveriam cobrar a mais por algo que o cliente já paga? Sem perceber, a categoria do personal trainer se autoaniquila no ambiente das academias. 

Por ora, caberá ao mercado entender a inconstitucionalidade da norma proposta, bem como os precedentes nefastos que ela pode causar, em médio prazo, até mesmo para os próprios profissionais. 

Esperança que o legislativo reverta a norma de forma necessária e madura ao segmento, que coloque empresários, profissionais e clientes nos seus devidos papéis.

Que assim seja!

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